“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

domingo, 9 de outubro de 2011

APROFUNDAMENTO: (1) DITADURA MILITAR NO BRASIL 1964-1985

TODOS OS TEXTOS FORAM EXTRAÍDOS: http://cpdoc.fgv.br/

MOVIMENTO CONTRA A DITADURA

Movimento idealizado durante o XVIII Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), realizado em Belo Horizonte em julho de 1966. Seu objetivo era formar uma frente contra o regime militar, congregando estudantes, operários e camponeses na luta pelo restabelecimento das liberdades democráticas no país.
A UNE encontrava-se na ilegalidade desde abril de 1964, quando foi fechada pelas autoridades militares. Em novembro desse mesmo ano, o ministro da Educação, Flávio Suplicy de Lacerda, baixou uma lei — conhecida como Lei Suplicy — criando o Diretório Nacional dos Estudantes (DNE) e os diretórios estaduais dos Estudantes (DEEs). A Lei Suplicy proibiu ainda os universitários de fazer greves e de desenvolver atividades políticas.
A ideia do Movimento contra a Ditadura (MCD) foi lançada no congresso da UNE pela Ação Popular (AP), organização de esquerda de matriz católica, na época amplamente dominante no movimento estudantil. Foi graças a essa hegemonia que a proposta do MCD, mesmo sofrendo a oposição de outras tendências, conseguiu ser aprovada na reunião. As críticas da Política Operária (Polop) e das várias cisões ocorridas nas seções estaduais do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no decorrer de 1966, as chamadas “dissidências”, vinculavam-se basicamente à falta de representação do movimento operário dentro do MCD. Já o PCB considerava o MCD uma iniciativa radical, uma vez que acreditava que a Lei Suplicy poderia ser utilizada pelas “forças democráticas”.
Na prática, o MCD não conseguiu se concretizar, em parte devido à oposição encontrada no interior do próprio movimento estudantil, e, sobretudo devido às condições políticas existentes no país, visto que os trabalhadores rurais e urbanos estavam em franco processo de desmobilização e suas entidades de classe se encontravam sob intervenção governamental. Por outro lado, o próprio nome do movimento lhe conferia um caráter semilegal, reduzindo-lhe as possibilidades de granjear adeptos em setores que, ao contrário do estudantil, resistiam à ideia de passar à semiclandestinidade.
O ponto alto do MCD correspondeu às eleições legislativas de novembro de 1966, quando a UNE propôs o voto nulo e a colocação da sigla do movimento nas cédulas eleitorais. Essa orientação, contudo, foi seguida basicamente pelos elementos ligados à AP. Devido à pouca receptividade alcançada, a idéia do MCD foi abandonada em meados de 1967.
Entretanto, nas áreas onde a AP logrou manter um contato mais ou menos estreito com as bases operárias e camponesas, como no interior de São Paulo, os núcleos do MCD sobreviveram pelo menos até final de 1968.
Sérgio Lamarão (FONTES: ENTREV. DERWEID, J. e MOTA, P. Movimentos).

JUNTAS MILITARES

Juntas governativas que, entre 1930 e os dias de hoje, governaram o Brasil em quatro oportunidades: em outubro de 1930, quando a alta hierarquia das forças armadas depôs o presidente Washington Luís, permanecendo no poder até a chegada de Getúlio Vargas, líder da Revolução de 1930; ao Rio de Janeiro em agosto de 1961, após a renúncia do presidente Jânio Quadros, quando os ministros militares passaram a controlar de fato o poder, constituindo o principal elemento de oposição à posse do vice-presidente João Goulart, substituto constitucional de Quadros; em abril de 1964, quando, com a derrubada do presidente Goulart, mais uma vez os ministros militares tomaram o poder, conservando-o até a posse do general Humberto de Alencar Castelo Branco na presidência da República, e, finalmente, em agosto de 1969, quando, por motivo de doença, o general Artur da Costa e Silva foi afastado da presidência, sendo substituído por seus ministros militares, que permaneceram na chefia do Executivo até a posse do general Emílio Garrastazu Médici.
  
A renúncia de Jânio Quadros

Após a renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961, a presidência da República foi formalmente ocupada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Pascoal Ranieri Mazzilli, do Partido Social Democrático (PSD) de São Paulo, o segundo na linha sucessória. O primeiro, o vice-presidente João Goulart, encontrava-se em viagem oficial ao Extremo Oriente. Apesar de Mazzilli ter-se tornado o presidente em exercício, na prática o poder ficou nas mãos de uma junta formada pelos três ministros militares: Odílio Denis, da Guerra, Sílvio Heck, da Marinha, e Gabriel Grün Moss, da Aeronáutica.
A posse de Goulart na presidência, conforme o previsto na Constituição de 1946, não era vista com bons olhos por muitos setores influentes do sistema de poder, a começar por parcela ponderável das forças armadas representada exatamente pelos ministros militares. Herdeiro político de Getúlio Vargas e presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Goulart fora ministro do Trabalho no segundo governo Vargas (1951-1954), quando desagradou militares e empresários por sua política de aproximação com os sindicatos.
Como solução conciliatória, o Congresso aprovou em 2 de setembro a reforma constitucional que instituiu o parlamentarismo no Brasil. Desse modo, no dia 7 de setembro João Goulart foi empossado na presidência da República com seus poderes limitados pelo sistema parlamentarista, que transferia grande parte das atribuições do Poder Executivo para as mãos do conselho de ministros, chefiado pelo primeiro-ministro. O parlamentarismo vigorou no Brasil até janeiro de 1963, quando, através de um plebiscito, o eleitorado brasileiro votou a favor do retorno ao presidencialismo.

O movimento militar de 1964
A derrubada do presidente João Goulart em 31 de março de 1964 trouxe de volta à presidência o deputado Ranieri Mazzilli, que ainda presidia a Câmara dos Deputados. E, mais uma vez, os militares passaram a exercer o poder de fato, constituindo uma junta formada pelos ministros militares, general Artur da Costa e Silva, da Guerra, almirante Augusto Rademaker Grünewald, da Marinha, e o brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo, da Aeronáutica. No dia 9 de abril, na condição de detentora do “comando supremo da Revolução”, a junta militar baixou o Ato Institucional nº 1 (AI-1). Composto de 11 artigos, o AI-1 cassou os mandatos de 41 deputados federais e suspendeu os direitos políticos dos ex-presidentes João Goulart e Jânio Quadros, do secretário-geral do proscrito Partido Comunista Brasileiro, Luís Carlos Prestes, do governador de Pernambuco, Miguel Arrais, do ex-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Darci Ribeiro, e do economista Celso Furtado, além de magistrados, oficiais das forças armadas e numerosos líderes sindicais.
No dia 11 de abril, conforme prescrevia o AI-1, o Congresso Nacional elegeu o general Humberto de Alencar Castelo Branco presidente da República. Um dos principais articuladores do movimento militar vitorioso, Castelo Branco foi empossado no dia 15, institucionalizando o primeiro de uma série de governos militares no país.

O impedimento de Costa e Silva
Em 26 de agosto de 1969, o presidente da República, marechal Artur da Costa e Silva, apresentou os primeiros sintomas de trombose cerebral. No dia 30, seu quadro já se mostrava extremamente agravado, impossibilitando-o de continuar no exercício da presidência.
Na noite de 30 de agosto, o alto comando das forças armadas reuniu-se no Rio de Janeiro para discutir o problema criado pela doença de Costa e Silva. Participaram do encontro os três ministros militares — o general Aurélio Lira Tavares, do Exército, o almirante Augusto Rademaker Grünewald, da Marinha, e o brigadeiro Márcio de Sousa e Melo, da Aeronáutica —, o chefe do Estado-Maior do Exército, general Antônio Carlos Murici, o chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Adalberto de Barros Nunes, o chefe do Estado-Maior da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Alberto de Oliveira Sampaio, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, general Orlando Geisel, e o chefe do Gabinete Militar da Presidência da República, general Jaime Portela. Durante a reunião foi decidida a formação de uma junta militar de caráter temporário composta pelos três ministros militares, em substituição ao presidente enfermo.
Na noite do dia 31 de agosto, através de uma cadeia nacional de rádio e televisão, o país tomou conhecimento das modificações ocorridas na cúpula do poder. Pelo Ato Institucional nº 12, as funções da presidência foram assumidas interinamente pelos ministros militares, encarregados de dar continuidade à administração pública. Após a leitura do AI-12, foi divulgada uma proclamação que além de explicar as causas do afastamento de Costa e Silva declarava que, em virtude da grave situação interna do país, a presidência da República não poderia ser ocupada pelo vice-presidente Pedro Aleixo, conforme determinava a Constituição de 1967.
Com efeito, a situação política que o Brasil atravessava em 1969 era de grande tensão. Dentro das forças armadas, corriam boatos de que os setores que pregavam um endurecimento mais decisivo do regime estavam tramando substituir Costa e Silva por um general mais jovem e mais enérgico. Por outro lado, as relações entre o governo e a classe política eram bastante delicadas desde o fechamento do Congresso em dezembro de 1968.
O sequestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick, ocorrido em 4 de setembro de 1969 no Rio de Janeiro, convulsionou ainda mais o quadro institucional. Os sequestradores condicionaram a libertação de Elbrick à libertação de 15 presos políticos e à divulgação de um comunicado pela imprensa contendo pesadas críticas ao governo. Pressionado pelos Estados Unidos, o governo acabou cedendo, o que provocou viva reação dos oficiais “duros”, que acusaram a junta de capitular diante das organizações de esquerda.
Procurando controlar as ações armadas dos grupos esquerdistas e, ao mesmo tempo, atender às exigências da ala mais à direita das forças armadas, a junta militar tomou uma série de medidas repressivas. No dia 8 de setembro, baixou o Ato Institucional nº 13, que instituía o banimento das “pessoas perigosas para a segurança do Estado”, e o Ato Complementar nº 64, que impunha essa sanção aos 15 presos políticos libertados e então exilados no México. No dia 9, foi publicado o Ato Institucional nº 14, que permitia a aplicação da pena de morte ou da prisão perpétua em caso de “guerra de oposição psicológica, de guerra revolucionária e de luta subversiva”. No dia 27, foi publicada uma nova Lei de Segurança Nacional (Decreto-Lei nº 898), que incorporava todas as medidas de exceção tomadas pela junta, decretando que todo condenado à morte seria fuzilado se, em 30 dias, o Executivo não comutasse a pena em prisão perpétua. Por essa mesma lei, o governo aumentava seu controle sobre a imprensa, punindo com penas de seis meses a dois anos os jornalistas que difundissem notícias “falsas e tendenciosas” ou fatos verídicos “truncados ou desfigurados”.
Acompanhando esse conjunto de atos de força, o policiamento foi intensificado e foi desencadeada uma nova onda de detenções arbitrárias e de cassações, inclusive de nove deputados federais e de um senador. A maior parte das eleições estabelecidas por Costa e Silva foi adiada por período indeterminado, bem como as datas das convenções nacionais dos dois partidos políticos consentidos, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), de oposição, e a Aliança Renovadora Nacional (Arena), pró-governo.
Como o estado de saúde de Costa e Silva não apresentava sinais visíveis de melhora, no dia 16 de setembro a junta emitiu uma nota oficial comunicando que a substituição definitiva do presidente enfermo era inevitável e que já havia sido constituída uma comissão de três generais para encaminhar a questão sucessória. Preocupada em obter o mais amplo respaldo dentro das forças armadas, a comissão efetuou uma consulta entre todos os oficiais superiores das três armas, que deveriam manifestar-se em relação à substituição de Costa e Silva. Finalmente, em 7 de outubro de 1969, a secretaria de imprensa da Presidência da República anunciou que o general Emílio Garrastazu Médici, comandante do III Exército, havia sido o escolhido por seus pares. Para vice-presidente foi designado um dos membros da junta, o almirante Augusto Rademaker.
Dando seguimento ao processo sucessório, no dia 14 de outubro foi baixado o Ato Institucional nº 16, que declarou vagos os cargos de presidente e vice-presidente e fixou para o dia 25 daquele mesmo mês a data da eleição pelo Congresso. Ainda no dia 14, outro Ato Institucional — o de nº 17 — revelava a oposição que o nome de Médici levantara em certos setores militares. Segundo o ato, ajunta era autorizada a transferir para a reserva os militares que tivessem “atentado contra a coesão das forças armadas ou que [viessem] a fazê-lo”.
No dia 15, dois atos complementares promoveram a reabertura do Congresso — exatamente para possibilitar a ratificação do nome de Médici — convocando os parlamentares a se apresentarem em Brasília a partir do dia 22. No dia 25, Médici e Rademaker foram eleitos presidente e vice-presidente da República por 293 votos a favor e 76 abstenções (correspondentes à bancada do MDB), tomando posse no dia 30 de outubro.
Sérgio Lamarão (FONTES:  ABREU, A. Rio; FIECHTER, G. Regime; FRANCO, V. Outubro; SKIDMORE, T. Brasil).

UNIÃO NACIONAL DOS ESTUDANTES (UNE)

Organização fundada extraoficialmente em 11 de agosto de 1937 por iniciativa da Casa do Estudante do Brasil, no Rio de Janeiro, então Distrito Federal, por ocasião do I Conselho Nacional de Estudantes. Entretanto, a União Nacional dos Estudantes (UNE) só foi reconhecida oficial e formalmente em dezembro do ano seguinte no II Congresso Nacional dos Estudantes, posteriormente II Congresso da UNE, no qual foi aprovado seu estatuto e eleita sua primeira diretoria oficial.
A UNE era constituída pelas organizações estudantis brasileiras a ela filiadas, sendo “o órgão máximo de representação dos estudantes” e tendo por finalidade “congregar todos os estudantes do Brasil para a defesa dos seus interesses”. Em termos organizacionais, era dirigida por uma diretoria composta de um presidente, três vice-presidentes, três secretários e um tesoureiro, eleita pelo Conselho Nacional de Estudantes, posteriormente Congresso da UNE.
O período de ilegalidade
Em 1º de abril de 1964, a sede da UNE foi saqueada e incendiada pelos participantes do movimento político-militar — o segundo despejo da história da UNE —, obrigando seus dirigentes a exilarem-se. A entidade foi posta na ilegalidade pela Lei Suplicy de Lacerda, de 9 de novembro, que também extinguiu as UEEs, substituindo-as pelo Diretório Nacional de Estudantes e pelos diretórios estaduais de estudantes, respectivamente. Todas as instâncias da representação estudantil brasileira ficaram submetidas ao MEC.
Sem diretoria durante o período de abril de 1964 a julho do ano seguinte, a UNE elegeu nova direção no seu XXVII Congresso, procurando mobilizar os estudantes na defesa de seu espaço político ameaçado pela Lei Suplicy e pelo Decreto Aragão — que proibiu a organização estudantil em nível nacional, só permitindo-a em diretórios por universidade e escola —, e, ao mesmo tempo, no combate ao regime político instituído em 1964. Em julho de 1966, a UNE realizou seu XXVIII Congresso em Belo Horizonte. Nesse encontro, os estudantes concentraram suas críticas no acordo firmado pouco antes entre o governo federal e a United States Agency for International Development (USAID), conhecido como Acordo MEC-USAID, que entre outros pontos visava estimular a privatização do ensino superior brasileiro através da transformação das universidades mantidas pelo Estado em fundações.
O XXIX Congresso da UNE foi realizado em agosto de 1967, num mosteiro beneditino perto de Campinas (SP), sempre na ilegalidade. Pouco antes do encontro, haviam ocorrido conflitos de rua entre policiais e estudantes na capital paulista. Na reunião, as maiores críticas dirigiram-se contra a política educacional do governo, que admitia a interferência de organismos estrangeiros em sua orientação, e contra a contenção geral dos salários colocada em prática pelos militares. Ainda em 1967, a UNE rompeu com a União Internacional dos Estudantes (UIE), com sede em Praga, alegando que a entidade era pró-soviética, enquanto a direção da UNE era mais próxima da linha política chinesa.
O nível de tensão entre o governo e o movimento estudantil ganhou nova dimensão em 28 de março de 1968, quando o estudante secundarista Edson Luís Lima Souto, de 18 anos, foi morto a bala pela polícia no Rio de Janeiro, durante uma manifestação contra o fechamento do restaurante Calabouço, que atendia sobretudo a estudantes pobres oriundos de outros estados. Cerca de 20 estudantes saíram feridos da agressão policial. A morte de Edson Luís foi imediatamente denunciada pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição ao regime militar, na Assembleia Legislativa do então estado da Guanabara, para onde o corpo do estudante foi levado.
No dia 29 de março, cerca de 60 mil pessoas participaram do cortejo fúnebre até o cemitério São João Batista, em Botafogo. A manifestação transcorreu normalmente, sem intervenção policial. No resto do país, entretanto, ocorreram demonstrações e marchas de protesto. Em Salvador, Belo Horizonte, Goiânia e Porto Alegre, estudantes e populares entraram em choque com as forças policiais. A UNE decretou greve geral dos estudantes.
Ainda em 1968, a entidade promoveu passeatas em quase todas as cidades do país onde havia um número significativo de estudantes em escolas superiores, às quais se juntaram professores, escritores, artistas, religiosos e outros setores das camadas médias, como, por exemplo, na Passeata dos Cem Mil, que paralisou o Rio de Janeiro durante quase todo o dia 26 de junho de 1968 e marcou o momento de maior amplitude do movimento estudantil brasileiro desde 1964. Ao mesmo tempo em que se desenvolviam as tentativas dos estudantes de manter a UNE funcionando, enfrentando restrições governamentais, ela foi se tornando cada vez mais uma bandeira de luta (“A UNE somos nós”) do que propriamente uma entidade.
Em outubro de 1968, a UNE sofreu uma de suas maiores derrotas, com a prisão do presidente eleito, Luís Travassos, de várias lideranças estudantis, tais como Vladimir Palmeira, José Dirceu, Franklin Martins e Jean Marc van der Weid e de mais de setecentos delegados ao XXX Congresso da entidade, realizado clandestinamente em Ibiúna (SP). Na ocasião, a maioria dos estudantes foi enquadrada na Lei de Segurança Nacional. Ainda assim, embora cada vez mais afastado das bases e enfrentando forte repressão depois da edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5), o movimento estudantil tentou manter uma direção para a UNE com a posse de mais dois presidentes substitutos — Jean Marc van der Weid, preso em 1969, e, posteriormente, Honestino Guimarães, desaparecido em 1973 —, mas efetivamente não havia condições políticas de atuação. Abriu-se, então, um período de paralisação das atividades da UNE, que se estenderia até 1979.
Para isso muito contribuiu o Decreto-Lei nº 477, baixado pelo presidente da República, general Artur da Costa e Silva, em 26 de fevereiro de 1969, dois meses depois da promulgação do AI-5. O decreto previa as infrações disciplinares de cunho político dos professores, alunos e funcionários de estabelecimentos de ensino, bem como as penas, bastante severas, a eles aplicáveis. Os professores e funcionários seriam demitidos, não podendo ser contratados por outros estabelecimentos de ensino durante o prazo de cinco anos. Os estudantes seriam desligados dos cursos que estivessem fazendo e proibidos de se matricular em qualquer outro estabelecimento de ensino durante os três anos seguintes. O Decreto-Lei nº 477 foi aplicado mais intensamente até 1973, período em que atingiu 263 pessoas, quase todas estudantes.
A abolição desse decreto-lei foi, desde sua promulgação, bandeira de luta do movimento estudantil, das associações de professores e pesquisadores universitários e de vários setores que se opunham ao regime militar.
Luís Antônio Cunha colaboração especial/Marcelo Costa/Aline Portilho

DESTACAMENTO DE OPERAÇÕES E INFORMAÇÕES – CENTRO DE OPERAÇÕES E DEFESA INTERNA (DOI-CODI)

Órgão de repressão política criado por diretrizes internas do Exército assinadas pelo presidente da República Emílio Médici em 1970, com o objetivo de combater as organizações de esquerda. Foi extinto através de portaria reservada do ministro do Exército, general Valter Pires, no final do governo do general João Batista Figueiredo (1979-1985).

Antecedentes

O golpe civil-militar de 1964, visando a instaurar uma nova ordem político-social no país, deu ensejo a uma vasta gama de medidas no sentido de coibir iniciativas que fossem de encontro às forças políticas que assumiam a direção do Estado. Foi assim posta em marcha uma “operação limpeza”, materializada na suspensão de garantias constitucionais, em intervenções em sindicatos, cassações de direitos políticos, expurgos nas forças armadas e no serviço público, e instauração de Inquéritos Policial-Militares (IPMs). Em torno desses inquéritos, articulou-se um primeiro núcleo de oficiais que defendiam uma repressão política sistemática e que, paulatinamente, se constituiu como um grupo de pressão dentro das forças armadas, conhecido pela alcunha de “linha dura”.
A preocupação em manter um consenso forçado em torno do projeto político que os militares implantavam no país levou à promulgação de leis – atos institucionais, Constituição de 1967, Lei de Segurança Nacional – de caráter coercitivo, suspendendo direitos individuais e restringindo a representação política. A nova legislação incorporou o conceito de segurança nacional, adotando a noção de “inimigo interno”, segundo a qual qualquer cidadão era suscetível de tornar-se um inimigo da nação caso cometesse atos que colocassem em risco a segurança do país. Dentro do arsenal de leis criado pelo regime militar, destaca-se o Ato Institucional n° 5 (AI-5), de 13 de dezembro de 1968, que representou a porta de entrada jurídica para a viabilização de uma nova estrutura repressiva. O AI-5 aboliu o habeas corpus para os crimes políticos e permitiu que as prisões prescindissem de acusação formal e mandado judicial.
Até 1969, a repressão política ficou a cargo das secretarias de Segurança Pública e dos departamentos de Ordem Política e Social (DOPS) de cada estado. Com o recrudescimento das ações dos grupos da esquerda armada, constituiu-se, no início desse ano, uma primeira iniciativa, em São Paulo, no sentido de centralizar e coordenar as atividades de combate ao crime político. A 2ª Companhia da Polícia do Exército, diretamente subordinada ao comando do II Exército, ficou encarregada dessa tarefa, com a colaboração do DOPS para investigações e diligências.
Ainda em fevereiro de 1969 realizou-se o I Seminário de Segurança Interna em Brasília, que reuniu todos os secretários de Segurança Pública, os comandantes das Polícias Militares e os superintendentes regionais da Polícia Federal, sob a orientação do ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, e do general Carlos de Meira Matos, chefe da Inspetoria Geral das Polícias Militares. Em junho, o general José Canavarro Pereira, acompanhado pelo chefe de Estado-Maior do Exército (EME), general Ernani Ayrosa, convocou uma reunião de todos os órgãos ligados à segurança no estado de São Paulo, na qual foi debatido e aprovado um plano de combate ao “terrorismo”. Tratava-se da integração das diversas forças militares e policiais no combate às organizações de esquerda, com a finalidade de dissolvê-las e impedir seu ressurgimento. Assentavam-se as bases do que viria a denominar-se Operação Bandeirante (Oban).

Operação Bandeirante (Oban)

A Oban foi dotada de um Centro de Coordenação, constituído de uma Central de Informações e de uma Central de Operações. Reuniu representantes do II Exército, da Aeronáutica, da Marinha, do Departamento da Polícia Federal (DPF), do Serviço Nacional de Informações (SNI), e ainda da Secretaria de Segurança Pública (SSP), do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), da Guarda Civil e da Força Pública do Estado de São Paulo (FPESP).
Inicialmente funcionou nas dependências do 2º Batalhão de Reconhecimento Mecanizado da Polícia do Exército, na rua Abílio Soares, na capital paulista. Embora não tenha sido legalmente oficializada, sua fundação foi celebrada em ato solene, em julho de 1969, prestigiado por diversas autoridades civis e militares do estado de São Paulo, assim como personalidades do mundo dos negócios.
Por não ter verbas consignadas em orçamento oficial, a Oban contou com auxílios de diversas ordens. O prefeito de São Paulo, Paulo Maluf, contribuiu com o asfaltamento e com a renovação da rede elétrica da área do quartel. O governador Roberto de Abreu Sodré cedeu parte das dependências da 36ª Delegacia de Polícia, para onde foi transferida sua sede em setembro de 1969. As novas instalações, situadas a poucos minutos do Quartel General do Exército, possuíam duas entradas: uma na rua Tutóia, 921, e outra na rua Tomás Carvalhal, 1.030, no bairro da Vila Mariana. Luiz Macedo Quentel, membro da elite paulista, ajudou a coordenar os esforços para viabilizar o novo órgão repressivo. Coube a Delfim Neto e a Gastão Vidigal – dono do Banco Mercantil de São Paulo – reunir os representantes de grandes bancos brasileiros para pedir fundos, procedimento repetido na Federação das Indústrias de São Paulo (FIESP). Os empresários Paulo Sawaya e Henning Albert Boilesen (Assista ao documentário postado "Cidadão Boilesen")  – presidente da Ultragás –  fizeram a ponte entre empresários e industriais e o órgão. Houve ainda outras modalidades de apoio: fornecimento de carros pelas empresas Ford e Volkswagen, empréstimo de caminhões pela Ultragás e de peruas pela Folha da Manhã, cessão de refeições congeladas pela Supergel. Parte da verba destinada ao funcionamento do órgão foi doada, em forma de gratificação, aos agentes repressivos que se destacaram na captura de reconhecidos dirigentes da esquerda.
O comando da Oban foi entregue ao coronel Antônio Lepiane, chefe do Estado-Maior da 2ª Divisão de Infantaria do Exército. O centro nevrálgico das operações de busca, de captura, de interrogatório e de análise de informações ficou sob os cuidados da Coordenação de Execução, subordinada à Central de Informações. Esse núcleo funcionava ininterruptamente 24 horas por dia. O trabalho era comandado pelo então major Waldyr Coelho, promovido a tenente-coronel em abril de 1970. A Coordenação de Execução, por sua intensa atividade, repetidas vezes foi confundida com a própria Oban. Os funcionários provinham de distintas unidades da polícia e das forças armadas. Parte de seu contingente era oriundo da Divisão Estadual de Investigações Criminais (DEIC), célebre pela crueldade de seus métodos de interrogatório. A experiência investigativa da polícia comum, que contava com um variado rol de métodos de tortura, foi absorvida pelo órgão e incorporada à lógica militar de repressão interna.
Em março de 1970, no início do governo do general Emílio Médici, foi criada uma comissão composta por Alfredo Buzaid (ministro da Justiça), general Orlando Geisel (ministro do Exército), almirante Adalberto de Barros Nunes (ministro da Marinha), brigadeiro Márcio de Sousa e Melo (ministro da Aeronáutica), general Carlos Alberto Fontoura (chefe do SNI), e general João Batista Figueiredo (secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional), com o objetivo de institucionalizar e aumentar o escopo de atuação da Oban. Isso foi feito através da constituição do Sistema de Segurança Interna (Sissegin) e da instituição do Destacamento de Operações e Informações (DOI) e do Centro de Operação de Defesa Interna (DOI).

Atuação

Os primeiros anos de funcionamento do órgão foram dedicados principalmente ao combate às organizações da esquerda armada. A partir de janeiro de 1971, na área sob jurisdição do II Exército, sob o comando do general Humberto de Sousa Melo, a política em relação aos militantes de esquerda passou a ser o extermínio. Isso ocorreu especialmente com algumas categorias, como a dos banidos – criada pelo governo militar para punir os militantes libertos em troca do embaixador americano, em 1969 – ou a dos principais dirigentes das organizações de esquerda. Em paralelo às atividades “oficiais” do DOI-CODI, foram criados centros clandestinos de tortura e assassinato, dispositivos complementares autorizados pelos superiores hierárquicos através da autonomia concedida ao órgão.
O recurso ao “desaparecimento” de presos políticos passou a ser empregado com maior frequência, aumentando expressivamente em 1971 e atingindo seu auge em 1974. Evitavam-se, dessa maneira, as versões já desgastadas de “tiroteio”, “atropelamento”, “suicídio” e “tentativa de fuga” para mortes ocorridas em dependências militares ou em sítios clandestinos de tortura. Em fins de 1973, a maior parte das organizações da esquerda havia sido desarticulada, seus militantes presos, banidos, exilados ou assassinados. Como recompensa por serviços prestados ao país, 90 integrantes do DOI-CODI do II Exército foram condecorados com a Medalha do Pacificador com Palma, a mais alta distinção nos meios militares.
Findo o governo do general Médici (1969-1974) e alcançada a derrota dos grupos revolucionários armados, iniciou-se uma nova era, tanto para o regime militar quanto para seu aparelho repressivo. O período de distensão foi marcado por gestos pendulares do general Ernesto Geisel no sentido de abrir gradativamente o regime, ao mesmo tempo que demarcava os estreitos limites da abertura. A repressão política tornou-se mais discreta e seletiva.
À medida que as organizações armadas foram sendo destruídas, as atenções do DOI-CODI voltaram-se na direção dos dois partidos comunistas que não haviam participado da guerrilha urbana, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Comunista do Brasil (PC do B). As eleições de 1974 acirraram ainda mais os ânimos, pois o partido oposicionista oficial, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), recebeu uma votação maciça de setores da esquerda, permitindo que candidatos apoiados pelos partidos comunistas se elegessem. Entre 1974 e 1975 foram assassinados clandestinamente vários dirigentes do PCB, em grande parte por agentes do DOI-CODI.
O comandante do II Exército, general Ednardo D’Ávila Melo, e o secretário de Segurança Pública, coronel Erasmo Dias, integravam o setor da linha dura contrário à política de “distensão” do governo do general Ernesto Geisel. A queda de braço estabelecida entre Geisel e os setores ligados à repressão política teve seu ápice na ocasião das mortes do tenente-coronel da Polícia Militar José Ferreira de Almeida, em agosto de 1975, e do jornalista Vladimir Herzog, em outubro do mesmo ano, nas dependências do DOI-CODI paulista. O assassinato sob tortura de um jornalista da TV Cultura que se apresentara voluntariamente à sede do órgão e a versão evidentemente falsa de suicídio por enforcamento criaram uma comoção pública de grande repercussão. Desse modo, quando houve uma terceira morte, nas mesmas circunstâncias, do operário Manuel Fiel Filho, Geisel reagiu imediatamente destituindo o general Ednardo D’Ávila Melo, em atitude de grande impacto entre os militares. Todos aqueles direta ou indiretamente responsáveis pelo episódio foram afastados, inclusive o comandante do DOI, o tenente-coronel Audir Santos Maciel, e o subcomandante, Dalmo Lúcio Cyrilo.
Em dezembro de 1976, ocorreu o episódio que ficou conhecido como a “chacina da Lapa”, no qual uma reunião da cúpula do PC do B em São Paulo foi cercada e, numa simulação de tiroteio, parte dos membros da direção do partido foi assassinada. Os outros dirigentes foram presos e torturados, um deles até a morte. A ação contou com a participação do delegado do DOPS, Sérgio Paranhos Fleury, e do ex-chefe do DOI paulista, tenente-coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, lotado no CIE. Após a chacina, a tortura continuou a ser empregada nos DOI-CODI, mas não houve mais registro de assassinatos durante os interrogatórios ou ações de captura.
Limitados em sua atividade pelo projeto de distensão, os órgãos repressivos começaram a organizar ações clandestinas que, apesar de serem de autoria anônima, traziam impressa sua marca de violência: atentados a bomba em bancas de jornal, em redações da imprensa alternativa e nas sedes de entidades civis que se alinhavam à oposição ao governo militar. Um dos casos mais eloquentes foi a tentativa frustrada do sargento Guilherme Pereira do Rosário e do capitão Wilson Dias Machado, ligados ao DOI-CODI do Rio de Janeiro, de colocar uma bomba no Centro de Convenções Riocentro durante um show de música popular em comemoração ao 1º de maio, em 1981. A operação foi malsucedida, e a bomba explodiu no colo de um dos agentes. A versão divulgada foi de que se tratava de um atentado de organizações de esquerda contra os agentes do DOI-CODI, mas a explicação não foi convincente. Foi aberto um inquérito para apurar os verdadeiros responsáveis, sem que se chegasse a resultados concretos. De todo modo, o episódio foi desmoralizante para o sistema repressivo.
O DOI-CODI foi desativado no final do governo do general João Batista Figueiredo, por meio de uma portaria reservada do ministro do Exército, general Valter Pires. As funções do órgão foram reabsorvidas pelas 2ªs Seções do Exército e voltaram-se exclusivamente para informações da área militar. Assim como sua instituição se dera através de uma diretriz interna do Exército, sua extinção foi determinada, sem grandes alardes, por meio de uma instrução administrativa.

Mariana Joffily
FONTES:

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