“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

domingo, 11 de março de 2012

Revolução Industrial/Complemento

Um mundo menor e mais dinâmico
     Hoje vivemos numa sociedade altamente industrializada, urbanizada e tecnológica. A maior parte da população mundial já vive nas cidades, e as inovações tecnológicas são contínuas na indústria, nos transportes, nas comunicações e em outras atividades humanas. Claro que não devemos nos esquecer dos diversos graus de desenvolvimento que caracterizam os diferentes países. De qualquer forma, o percurso histórico desse elevado grau de industrialização e desenvolvimento tecnológico pode ser traçado de forma razoavelmente nítida a partir das grandes transformações ocorridas há aproximadamente 250 anos.
     O mundo vivia, até o século XVIII, sob a dinâmica do capitalismo comercial, do absolutismo, da política mercantilista e de todo um conjunto de ideias e teorias que lhes davam sustentação. Contudo, nas últimas décadas desse mesmo século, transformações em diversos segmentos das atividades humanas, em especial na Inglaterra, promoveram o desenvolvimento do que viria a ser chamado, posteriormente, de Revolução Industrial.
     Nesse novo contexto, algumas antigas tradições já não poderiam ser mantidas, pois a realidade não mais condizia com esse conjunto de ideias. Novas teorias surgiram, como o liberalismo econômico, e houve o crescimento das burguesias nacionais e do operariado industrial. Todas essas mudanças foram facilitadas
pela expansão dos meios de comunicação e transporte, que permitiram a difusão das novas ideias e de inventos tecnológicos em escala e velocidade nunca vistos até então.

O impacto da sociedade industrial
     Vivemos em um mundo no qual muitos dos produtos que utilizamos em nosso cotidiano são resultados de algum tipo de processo industrial altamente mecanizado. Objetos simples, como canetas e cadernos, e produtos sofisticados, como supercomputadores e robôs, são frutos da Revolução Industrial, um conjunto de mudanças na forma de produzir mercadorias e nas relações de trabalho que teve origem na Inglaterra, nas últimas décadas do século XVIII.
     Uma das modificações mais relevantes na produção industrial foi a invenção de máquinas, que permitiram a fabricação rápida, barata e em larga escala de uma infinidade de produtos, muitos dos quais tornaram a vida humana mais confortável e saudável. Contudo, o processo de industrialização também produziu efeitos extremamente negativos, como a exploração do trabalho assalariado, a degradação do meio urbano, a destruição das florestas e a poluição excessiva.

A questão ambiental
     Nos séculos XVIII e XIX, não havia preocupação alguma com questões ambientais. O tema tornou-se importante apenas no século XX. No entanto, é evidente que as transformações provocadas pela Revolução Industrial trouxeram alterações sensíveis no ambiente. A busca de uma produção maior e cada vez mais veloz gerava consumo amplo e descontrolado de recursos naturais. O exemplo mais óbvio ocorreu na extração e utilização do carvão mineral, que fazia as máquinas a vapor funcionarem.
     Desde o final do século XVI, o crescimento das cidades, sobretudo de Londres, gerava forte demanda por combustíveis domésticos. O fácil acesso ao carvão vegetal provocou, até o princípio do século XVIII, a devastação de parte significativa das florestas inglesas. O problema ambiental e as necessidades energéticas da nascente indústria estimularam a obtenção de outras fontes carboníferas e o aprimoramento da extração do carvão mineral em áreas mais profundas das minas.
     A nova dinâmica de produção, circulação e consumo de mercadorias implicava, em todas as suas fases, uma visão equivocada de que a natureza era uma fonte inesgotável de recursos, prontos a beneficiar o homem. Grandes obras, como as ferrovias, ignoravam os obstáculos naturais e simplesmente se impunham às florestas e aos campos. O uso industrial da água e o acúmulo de dejetos nas áreas de mineração alteravam a vida local. O aumento populacional levou milhões de pessoas a viverem em um mesmo espaço urbano e gerou uma grande quantidade de lixo, que eram despejados a céu aberto e propiciavam condições ideais para a propagação de doenças.
     "A civilização agrícola, superada pela Revolução Industrial, usava fontes renováveis de energia. O vento enfunava as velas, os rios moviam moinhos. As florestas, cortadas em pequena escala para abastecer cozinhas e lareiras, eram logo recompostas pela natureza. [...] A civilização industrial, pelo contrário, estruturou-se numa base de combustíveis fósseis e não renováveis. Estamos falando principalmente do gás, do petróleo e do carvão de pedra. Supunha-se então (ou simplesmente isso não foi objeto de qualquer análise) que tais reservas eram infinitas e, quando utilizadas, não trariam quaisquer alterações climáticas e danos ambientais."
(MARCOVITCH, Jacques. Para mudar o futuro: mudanças climáticas, políticas públicas e estratégias empresariais. São Paulo: Edusp/Saraiva, 2006.)

O longo processo de cercamento dos campos
     No século XVI, a repartição das terras em lotes não era uma novidade na Inglaterra. Mas, se antes muitas terras eram utilizadas para a produção agrícola, agora passavam a ser cercadas para atividades mais lucrativas, em especial a criação de carneiros para a manufatura dos tecidos de lã, negociados no crescente mercado interno inglês e nos mercados do mar do Norte e no Báltico. O cercamento dos campos ingleses foi, assim, o processo mais arrojado de transformação rural no início da Época Moderna, conhecido na Inglaterra como enclosures. As imensas propriedades de terras dos mosteiros católicos foram incorporadas a esse processo, sobretudo depois que o rei Henrique VIII confiscou as terras da Igreja, na década de 1530, em meio à Reforma anglicana. As propriedades foram postas a leilão e compradas por muitos que pretendiam transformá-las em pastos. Os camponeses que as ocupavam engrossaram o contingente de pessoas sem terras. Os campos cercados levaram a uma diminuição das atividades do campesinato. Muitos, em busca de trabalho, passaram a vagar pelas estradas, outros a roubar ou mendigar, gerando um clima de insatisfação e revolta. O quadro de penúria aumentou, também, por conta da alta do preço do trigo, principal alimento da população - entre 1500 e 1600, o preço do trigo aumentou quase 450% na Inglaterra.
     Em um processo lento, boa parte desses camponeses acabou por se incorporar à ascendente manufatura de tecidos. A outra parte se manteve no campo, e acabou se dedicando à produção de grãos.
No início, várias leis foram criadas para deter o cercamento dos campos e o abuso dos senhores, com o objetivo de conter o êxodo rural e aumentar a produção de cereais. Mas todas se mostraram ineficazes. Muitos dos juízes que deveriam aplicar essas leis tinham interesse nos lucros trazidos pelos cercamentos.
Ao mesmo tempo, criaram-se leis contra os desempregados que se acumulavam nas cidades. Em 1536, decretou-se que os "vagabundos inveterados" tivessem as orelhas cortadas e, caso reincidissem, seriam enforcados. Em 1547, estabeleceu-se que aquele que se recusasse a trabalhar seria escravo do que o denunciasse. Se tentasse fugir, seria caçado e marcado com ferro quente. Em 1572, decretou-se que os que não tivessem licença para mendigar seriam açoitados e marcados a ferro, a menos que alguém os empregasse. Se fossem pegos uma segunda vez, seriam mortos, a não ser que alguém os empregasse. Numa terceira, seriam sumariamente executados, sem clemência. Algumas crônicas informam que, no reinado de Henrique VIII, 7.200 ladrões foram enforcados.
     Todo esse cenário fez eclodir diversas revoltas camponesas em vários condados ingleses. Muitas delas tiveram motivos religiosos, contra a Reforma protestante inglesa, mas muitas também reivindicavam a suspensão dos enclosures ou cercamentos dos campos. A situação somente se estabilizou no final do século XVI, com a incorporação de boa parte dos camponeses sem terra à manufatura têxtil urbana. A economia passou a ser cada vez mais dominada por negociantes ligados à agricultura mercantil e às atividades manufatureiras das cidades.

Mulheres no mundo do trabalho
      Na época da Revolução Industrial, a família, segundo o modelo burguês, era chefiada pelo marido. Encarregado do sustento do lar, pensava-se que ele merecia ter uma esposa devotada, doce e passiva. A ideia de uma mulher trabalhar fora do lar era algo inconcebível.
     Mas esse ideal de família estava muito distante da realidade dos operários. A dura vida cotidiana obrigava a mulher - e também as crianças - a trabalhar nas fábricas como meio de complementar o orçamento familiar. Assim, era comum que as mulheres operárias não dependessem do marido. Muitas vezes, até o sustentavam, já que na sociedade industrial inglesa havia inúmeras oportunidades de trabalho para mulheres. Muitos patrões preferiam empregar mulheres ou crianças, pagando salários mais baixos do que pagariam a um homem adulto.
     Nas minas de carvão, as operárias executavam os trabalhos mais penosos. Meninas entravam em minas escuras e úmidas, com altos níveis de insalubridade. Isso causou muita discussão na época.
     A historiadora Catherine Hall descreve o trabalho de crianças e mulheres nas minas de carvão, observado por uma comissão encarregada de denunciar os abusos cometidos.
     Desempenhar funções masculinas vestindo roupas de homem foi considerado uma ofensa. Houve movimentos para proibir o trabalho feminino em locais como minas de carvão. Os homens aprovavam a iniciativa, não porque concordassem tratar-se de uma ofensa moral às mulheres, mas com medo do desemprego. A presença de operárias nas minas e nas fábricas representava uma ameaça ao emprego dos homens, que almejavam postos de trabalho e bons salários.

Relatório sobre o trabalho das crianças de até cinco anos feito por um médico de  Manchester, em 1796.
     “Está claro que as crianças e as outras pessoas empregadas no trabalho em grandes tecelagens de algodão estão sujeitas a febres contagiosas: quando uma fica doente, a doença propaga-se rapidamente, não somente entre aqueles que estão trabalhando no mesmo local, mas também entre as famílias às quais pertencem, em toda a vizinhança. (...)
     As grandes fábricas geralmente têm uma influência perniciosa sobre a saúde daqueles que nelas trabalham, mesmo sobre os que não possuem qualquer doença, pela vida reclusa que lhes impõe e pela ação enfraquecedora do ar contaminado e impuro. (...)
     O trabalho à noite e as jornadas prolongadas, às quais são submetidas as crianças, não somente tendem a diminuir a soma de vida e a atividade dos que estão para nascer, pela alteração da força dessa geração, como favorecem os vícios dos pais que, contrariamente à ordem humana, vivem da exploração dos filhos. (...)
     As crianças empregadas nas fábricas são geralmente privadas de qualquer oportunidade de se instruírem e de receberem educação moral e religiosa”.
(FOLHEN, Claude, Histoire .Génerale du Travail./n: MONIER, J. Histoire, v. III, p. 28.)
Carta aos Homens da Inglaterra 
"Homens da Inglaterra, por que arar
para os senhores que vos mantêm na miséria?
Por que tecer com esforço e cuidado
as ricas roupas que vossos tiranos vestem?

Por que alimentar, vestir e poupar
do berço até o túmulo
esses parasitas ingratos que
exploram vosso suor - ah, que bebem vosso sangue?

Por que, abelhas da Inglaterra, forjar
muitas armas, cadeias e açoites
para que esses vagabundos possam desperdiçar
o produto forçado de vosso trabalho?

Tendes acaso ócio, conforto, calma,
abrigo, alimento, bálsamo gentil do amor?
Ou o que é que comprais a tal preço
com vosso sofrimento e com vosso temor?

A semente que semeais, outro colhe.
A riqueza que descobris, fica com outro.
As roupas que teceis, outro veste.
As armas que forjais, outra usa.

Semeai - mas que o tirano não colha.
Produzi riqueza - mas que o impostor não a guarde.
Tecei roupas - mas que o ocioso não as vista.
Forjai armas - que usareis em vossa defesa".

(Percy Bysshe Shelley)

“A semente que semeais, outro colhe...”
     “Ouvi dizer num ônibus da Quinta Avenida: ‘Meu Deus! Mais piquetes! Já estou cansada desses grevistas andando de um lado para outro em frente de lojas e fábricas, com seus cartazes de protesto. Por que o governo não mete todos eles na cadeia? ’
     A senhora indignada que fez essa observação não conhecia bem a história. Pensava ter uma solução fácil para um problema simples. Mas estava totalmente errada. Sua solução fora tentada repetidas vezes, sem que se resolvesse nada. Na Inglaterra, há mais de cem anos um magistrado comunicou ao Ministério do Interior seus planos para esmagar uma greve: ‘As medidas que proponho são simplesmente prender esses homens e manda-los ao trabalho forçado. ’
     Exatamente o que sugeria a senhora - e, no entanto, essa proposta foi feita em 1830. Com que resultados?
     O magistrado do século XIX e a senhora do século XX parecem não compreender que os trabalhadores não fazem piquetes porque gostem de andar de um lado para outro carregando cartazes, e não fazem greve porque não desejem trabalhar. As causas são mais profundas. Para descobri-las, devemos voltar à história inglesa, porque ali ocorreu primeiro a Revolução Industrial.
    É fato bem conhecido que as estatísticas podem provar qualquer coisa. Nunca nos proporcionaram um quadro mais falso do que o relativo ao período de infância da Revolução Industrial na Inglaterra. Toda tabela de números mostrava progressos tremendos. A produção de algodão, ferro, carvão, de qualquer mercadoria, multiplicou-se por dez. O volume e o total de vendas, os lucros dos proprietários - tudo isso subiu aos céus. Lendo tais números ficamos surpreendidos. A Inglaterra, ao que tudo indica, devia ter sido então o paraíso que os autores de canções mencionam sempre. Foi, realmente – para uns poucos.
     Para muitos, podia ser qualquer coisa, menos um paraíso. Em termos de felicidade e bem-estar dos trabalhadores, aquelas estatísticas róseas diziam mentiras horríveis. Um autor mostrou isso num livro publicado em 1836: ‘Mais de um milhão de seres humanos estão realmente morrendo de fome, e esse número aumenta constantemente... . ...É uma nova era na história que um comércio ativo e próspero seja Índice não de melhoramento da situação das classes trabalhadoras, mas sim de sua pobreza e degradação: é a era a que chegou a Grã-Bretanha. ’
     Se um marciano tivesse caído naquela ocupada ilha da Inglaterra teria considerado loucos todos os habitantes da Terra. Pois teria visto de um lado a grande massa do povo trabalhando duramente, voltando à noite para os miseráveis e doentios buracos onde moravam, que não serviam nem para porcos; de outro lado, algumas pessoas que nunca sujaram as mãos com o trabalho, mas não obstante faziam as leis que governavam as massas, e viviam como reis, cada qual num palácio individual, (...)
     Essa divisão não era nova. Mas com a chegada das máquinas e do sistema fabril, a linha divisória se tornou mais acentuada ainda. Os ricos ficaram mais ricos e os pobres, desligados dos meios de produção, mais pobres. Particularmente ruim era a situação dos artesãos, que ganhavam antes o bastante para uma vida decente e que agora, devido à competição das mercadorias feitas pela máquina, viram-se na miséria. Temos uma ideia de como era desesperada a sua situação pelo testemunho de um deles, Thomas Heath, tecelão manual:
‘Pergunta: Tem filhos?
Resposta: Não. Tinha dois, mas estão mortos, graças a Deus!
Pergunta: Expressa satisfação pela morte de seus filhos?
Resposta: Sim. Agradeço a Deus por isso. Estou livre do peso de sustentá-los, e eles, pobres criaturas, estão livres dos problemas desta vida mortal’.
     O leitor há de concordar que, para falar desse modo, o homem devia realmente estar deprimido e na miséria.
     O que acontecia aos homens que, reduzidos ao estado de fome absoluta, já não podiam lutar contra a máquina, e finalmente iam buscar emprego na fábrica? Quais eram as condições de trabalho nessas primeiras fábricas?
     As máquinas, que podiam ter tornado mais leve o trabalho, na realidade o fizeram pior. Eram tão eficientes que tinham de fazer sua mágica durante o maior tempo possível, Para seus donos, representavam tamanho capital que não podiam parar - tinham de trabalhar, trabalhar sempre. Além disso, o proprietário inteligente sabia que arrancar tudo da máquina, o mais depressa possível, era essencial porque, com as novas invenções, elas podiam tornar-se logo obsoletas. Por isso os dias de trabalho eram longos, de 16 horas. Quando conquistaram o direito de trabalhar em dois turnos de 12 horas, os trabalhadores consideraram tal modificação como uma bênção.
     Mas os dias longos, apenas, não teriam sido tão maus. Os trabalhadores estavam acostumados a isso. Em suas casas, no sistema doméstico, trabalhavam durante muito tempo. A dificuldade maior foi adaptar-se à disciplina da fábrica. Começar numa hora determinada, para, noutra, começar novamente, manter o ritmo dos movimentos da máquina - sempre sob as ordens e a supervisão rigorosa de um capataz - isso era novo. E difícil. (...)
     Perante uma comissão do Parlamento em 1816, o Sr. John Moss, antigo capataz de aprendizes numa fábrica de tecidos de algodão, prestou o seguinte depoimento sobre as crianças obrigadas ao trabalho fabril:
‘Eram aprendizes órfãos? - Todos aprendizes órfãos.
E com que idade eram admitidos? - Os que vinham de Londres tinham entre 7 e 11 anos. Os que vinham de Liverpool tinham 8 a 15 anos.
Até que idade eram aprendizes? -Até 21 anos.
Qual o horário de trabalho? -De 5 da manhã até 8da noite.
Quinze horas diárias era um horário normal? - Sim.
Quando as fábricas paravam para reparos ou falta de algodão, tinham as crianças, posteriormente, de trabalhar mais para recuperar o tempo parado? - Sim.
As crianças ficavam de pé ou sentadas para trabalhar? - De pé.
Durante todo o tempo? - Sim.
Havia cadeiras na fábrica? -Não. Encontrei com frequência crianças pelo chão, muito depois da hora em que deveriam estar dormindo.
Havia acidentes nas máquinas com as crianças? - Muito frequentemente. ’
(HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. 18 ed., Rio de Janeiro, Zahar, 1982.)
"Os trabalhadores estão nos bastidores e do lado de fora"
    “ Há muitas maneiras de se conhecer, uma ordem (ou desordem?) social. Depende do lugar em que a gente se coloca. Quem toma assento no confortável camarote do poder, vê de cima para baixo. A partir da ótica da classe dominante. E acredita que tudo vai bem, porque os ricos continuam mandando, lucrando, ordenando e, os pobres, trabalhando. As lentes dos óculos da classe dominante só enxergam a aparência do espetáculo social. O que está por trás e o que está por baixo escapam à miopia dos que querem fazer crer que o mundo é aquilo que eles pensam do mundo. Assim, muitos julgam a realidade pelo que ouvem dizer dela, e não pelo que ela é em suas contradições internas e históricas.
     Visto do alto do balcão, tudo é mais simples: prostituta é mulher vagabunda que não tem vergonha na cara; rufião é um criminoso que explora a vida alheia; homossexualismo é tara; policial corrupto é exceção; malandro é preguiça de trabalhar. Um pouco mais de arrocho e essa gente tomava jeito ...
     Os pequenos burgueses tomam assento nas poltronas coloridas. Dão as costas para a elite dominante, mas não chegam a enxergar a base social. Veem o fundo do palco, mas não o que está por trás ou por baixo. Captam as cenas sem compreender o enredo. Observam o texto sem penetrar o contexto.
Destacam o desempenho de um ator sem perceberem o trabalho da equipe. Fixam-se nos detalhes por incapacidade de ver o conjunto. Assim, fazem de suas bandeiras jurídico-políticas, a salvação da pátria; de eleições controladas, um plebiscito; de seus privilégios ameaçados, um direito a ser reconquistado; de seus representantes de classe, candidatos do povo; de suas ambiguidades e inseguranças, certezas e dogmas, Usam o binóculo ao contrário: veem ampliado, o que se aproxima de seus interesses e, à distância, o que diz respeito diretamente à classe operária.
     Os trabalhadores estão nos bastidores e do lado de fora. Não usam binóculos. Como o enfoque da elite sobre a realidade é uma mentira bem contada, eles tendem a acreditar nessa versão. Isto é, até o dia que as contradições se tornam tão evidentes, que fica difícil disfarçar as coisas. Elas emergem na consciência do povo. Tornam-se nítidas a olho nu. Sobem da barriga para a cabeça, pois não há propaganda oficial que consiga mascarar a fome.”
(ALBÂNIO, Carlos, Traga seu binóculo para assistir a ópera. In: Programa da Peça Ópera do Malandro,
Rio de Janeiro, 1978.) 
A reação dos trabalhadores
     As péssimas condições de trabalho nas fábricas, os baixos salários e o desemprego motivaram uma sucessão de reações por parte dos trabalhadores. No final do século XVIII e no início do século XIX ocorreram formas violentas de protestos, como a inundação de minas, a queima de colheitas e a destruição de máquinas por trabalhadores urbanos e rurais.
     O movimento de destruição das máquinas recebeu o nome de ludismo em homenagem ao operário
Nedd Ludd, que, segundo a tradição, teria sido o primeiro operário têxtil a quebrar o tear de uma fábrica.
As ações dos ludistas alastraram-se por diversas regiões da Inglaterra. Aparentemente, o movimento possuía vários líderes, que assumiam o título de "General Ludd" Os principais líderes do movimento foram enforcados e centenas de operários presos.
     O processo de resistência dos operários às máquinas não representou algo irrefletido ou cego, um ato contra a evolução tecnológica. Foram iniciativas contra a alienação do trabalho ao capital, um modo de afirmar seu poder sobre os instrumentos de produção. A destruição do maquinário foi um dos recursos
utilizados pelos trabalhadores na defesa de condições de vida mais dignas.
     "No mesmo dia, nas primeiras horas da tarde, uma grande fábrica situada em Crosley foi atacada por eles [quebradores de máquinas]. O chefe da fábrica pôde, com ajuda de alguns vizinhos, rechaçar o ataque e salvar a fábrica por esta vez. Dois dos assaltantes morreram no lugar. Aquela gente se exasperou e jurou vingar-se. Assim, pois, passaram o domingo e a manhã de segunda reunindo fuzis e munições. Mineiros se juntaram então a 8.000 homens, [que] marcharam [...] até a fábrica de onde haviam sido rechaçados no sábado. Acharam ali sir Richard Clyton à frente de uma guarda de 50 inválidos. Que podia fazer com um punhado de homens contra esses milhares enraivecidos? Tiveram que retirar-se [...] enquanto a multidão destruía de cima abaixo máquinas avaliadas em mais de 10 mil libras. Na terça pela manhã, ouvimos seus tambores a uma distância de duas milhas, pouco antes de abandonar Bolton. Sua intenção declarada era apoderar-se da cidade, depois de Manchester, Stockport, e daí marchar para Cromford para destruir as máquinas não só nestes lugares como em toda a Inglaterra."
(Carta de Josiah Wedgewood a Th. Bentley [1779].In: Coletânea de documentos históricos para o 1º grau -
5" a 8" séries. São Paulo: Secretaria da Educação, 1978.)

A Carta do Povo
     Os ingleses das décadas de 1830 e 1840 foram os primeiros a incorporar as ideias de democracia, igualdade e coletivismo a um amplo e significativo movimento de trabalhadores. Esse movimento teve suas origens no Reform Act de 1832, que conferiu o direito de voto à maioria dos homens adultos da
classe média e a quase todos os pequenos proprietários e rendeiros rurais. Mas uma grande massa de trabalhadores agrícolas e industriais continuou excluída do sufrágio.
     Afastado da arena pública, o proletariado urbano da Inglaterra reclamava participação efetiva nas eleições, porém enfrentou forte resistência do Parlamento. Diante de tal situação, muitos trabalhadores
alistaram-se com entusiasmo ao movimento conhecido como cartista.
      Organizado em 1838 por Feargus O'Connor e William Lovett, o cartismo teve origem numa petição conhecida como Carta do Povo, apresentada ao Parlamento. Seu programa constava de seis pontos importantes: sufrágio universal masculino; igualdade de direitos eleitorais; voto secreto; legislaturas anuais; abolição do censo eleitoral (requisitos de propriedade) para os membros da Câmara dos Comuns; remuneração das funções parlamentares.

FONTE:
História, ensino médio. Organizadores: Fausto Henrique Gomes Nogueira, Marcos Alexandre Capellari. - 1. ed. - São Paulo: Edições SM,2010. - (Coleção ser protagonista)
Conexões com a História / Alexandre Alves, Letícia Fagundes de Oliveira. - 1.ed. - São Paulo. Moderna, 2010.
História: das cavernas ao terceiro Milênio /Patrícia Ramos Braick. Myriam Becho Mata. 2. ed. - São Paulo: Moderna, 2010.
História: das sociedades sem Estado às monarquias absolutistas, volume 1 /Ronaldo Vainfas... [et al.] - São Paulo: Saraiva, 2010.
FARIA, Ricardo; MARQUES, Adhemar; BERUTTI, Flávio. História. Belo Horizonte, Ed. Lê, 1993.

FILME:
Daens, Um grito de justiça.
Drama indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro de 1993. Narra a história do padre belga Adolf Daens (Jan Decleir), um pioneiro na luta pelos direitos dos trabalhadores em seu país na virada do século. Nessa época, as tecelagens do norte da Bélgica decidiram substituir os operários por mulheres e crianças, a quem pagavam salários menores. Conseguiam, assim, manter preços que permitiam enfrentar a concorrência da indústria inglesa.
Essa era a situação, por exemplo, na cidade de Aalst, para onde vai o padre Daens.  Impressionado pela miséria que presencia, o religioso lidera um movimento de protesto.
Um belíssimo filme, cujo tema: o trabalho das mulheres e o trabalho infantil se mantêm atualíssimo, contado de forma brilhante, pois trama e roteiro andam lado-a-lado com as caminhadas e reivindicações do padre Daens e a belíssima atuação de Decleir, o que confere mais verossimilhança à história.
Direção: Stijn Coninx
Ano: 1992
Áudio: Flamengo /Francês/Legendado
Duração: 132 Minutos

Oliver Twist.
Roman Polanski dirige a clássica história de Charles Dickens de um garoto órfão que se envolve com uma gangue de batedores de carteira em Londres do século 19. Abandonado quando era muito criança, Oliver Twist (Barney Clark) é forçado a viver em um reformatório comandado pelo terrível Sr. Bumble(Jeremy Swift), que engana os garotos para roubar a mísera comida deles. Desesperado e determinado, Oliver resolve fugir e enfrentar as ruas de Londres. Sem dinheiro e sozinho, ele é atraído para o mundo do crime pelo sinistro Fagin (Ben Kingsley) - o chefe de uma gangue de batedores de carteiras mirins. O resgate de Oliver pelo gentil Sr. Brownlow (Edward Hardwicke) é apenas o começo de uma série de aventuras que o levam a uma promessa de uma vida melhor.
Direção: Roman Polanski
Ano: 2005
Áudio: Inglês/Legendado
Duração: 125 Minutos

Tempos Modernos
A figura central do filme é Carlitos, o personagem clássico de Chaplin, que ao conseguir emprego numa grande indústria, transforma-se em líder grevista conhecendo uma jovem, por quem se apaixona. O filme focaliza a vida na sociedade industrial caracterizada pela produção com base no sistema de linha de montagem e especialização do trabalho. É uma crítica à "modernidade" e ao capitalismo representado pelo modelo de industrialização, onde o operário é engolido pelo poder do capital e perseguido por suas ideias "subversivas".
Em sua Segunda parte o filme trata das desigualdades entre a vida dos pobres e das camadas mais abastadas, sem representar contudo, diferenças nas perspectivas de vida de cada grupo. Mostra ainda que a mesma sociedade capitalista que explora o proletariado alimenta todo conforto e diversão para burguesia. Cenas como a que Carlitos e a menina órfã conversam no jardim de uma casa, ou aquela em que Carlitos e sua namorada encontram-se numa loja de departamento, ilustram bem essas questões.
O filme chegou a ser proibido na Alemanha de Hitler e na Itália de Mussolini por ser considerado "socialista". Aliás, nesse aspecto Chaplin foi boicotado também em seu próprio país na época do "macarthismo".
Direção: Charles Chaplin
Duração: 87 minutos
Ano: 1936
Áudio: legendado

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