Prestes a completar 80
anos, a chegada de Vargas ao poder transformou a política do país e abriu as
portas para a industrialização
Como entender a Revolução de 1930 oitenta
anos depois? O movimento abarcou vários períodos, foi seriamente contestado,
reprimiu brutalmente seus opositores, ganhou o apoio da classe operária e
transformou a economia e o modo de se fazer política no país. Aparentemente
contraditório, assim como seu principal protagonista, Getúlio Vargas
(1882-1954), ele abriu um período da História do Brasil sobre o qual ainda há
muita coisa no ar.
Cansada da política ultrapassada da velha
República – período que vai da proclamação da República à chegada de Vargas ao
poder (1889-1930) –, a Revolução concretizou a vontade de transformação que a população
brasileira tanto queria. Com exceção da oligarquia cafeeira paulista e das
outras que dependiam do governo central, a sociedade apoiou com entusiasmo o
movimento, que abriu espaço para outras lutas políticas: partidárias,
parlamentares, sindicais, estudantis e militares. A classe operária, os novos
grupos burgueses e os setores médios urbanos queriam apresentar suas
plataformas políticas ou reivindicações.
Embora não tenha modificado profundamente
o país – o capitalismo e o clientelismo permaneceram e a reforma agrária não
aconteceu –, a Revolução de 1930 representou um marco em nossa História. Isso
porque antes, durante a Primeira República, a economia era essencialmente
agrária e girava em torno da exportação do café, enquanto o poder político estava
centralizado nas mãos dos grandes cafeicultores.
Nos anos 1920, a chamada política do “café
com leite” – revezamento de mineiros e paulistas na Presidência do país –
estava com os dias contados. A produção cafeeira entrou numa crise sem volta,
que acabou sendo agravada pela quebra da Bolsa de Nova York em outubro de 1929.
Com isso, setores da economia não vinculados ao café, como aqueles ligados à
produção e à exportação de carne no Rio Grande do Sul, ficaram fortalecidos.
O
fato de Washington Luís (1869-1957), presidente da República de 1926 a 1930,
não abrir mão de um candidato paulista para a sua sucessão ajudou a organizar a
oposição à oligarquia cafeicultora paulista. Como era a vez de um presidente
mineiro no rodízio, a insistência de Washington Luís no nome do paulista Júlio
Prestes (1882-1946) levou ao lançamento de um candidato de oposição. O
rompimento de Minas Gerais com São Paulo foi decisivo para os acontecimentos
políticos que se seguiram, assim como a organização da Aliança Liberal, que,
além dos mineiros, também contava com o Rio Grande do Sul, a Paraíba, o Partido
Democrata Paulista e os tenentes.
O candidato do governo acabou saindo
vitorioso nas eleições nada secretas e evidentemente fraudulentas de março de
1930, fato reconhecido pelo governador do Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros
(1863-1961), na edição de 19 de março do jornal A Noite: “Fraudes houve em todo
lugar, inclusive aqui.” Getúlio Vargas havia obtido quase 100% dos votos do
estado, resultado que levou o bloco da Aliança Liberal a se articular para
chegar ao poder por outros meios.
Os tenentes – que gozavam de grande
prestígio desde a revolta do Forte de Copacabana (1922), a revolução paulista
(1924) e a coluna Prestes-Miguel Costa – achavam que havia chegado a hora de
pegar nas armas e tomar o poder, enquanto Borges de Medeiros pregava a
conciliação. Pensando em levar adiante o plano dos militares, Vargas se
encontrou com o então líder tenentista Luís Carlos Prestes (1898-1990) em duas
ocasiões – novembro de 1929 e janeiro de 1930 –, e lhe entregou 800 mil dólares
para comprar armamentos. Em maio de 1930, Prestes rompeu com os tenentes e
ficou com a maior parte do dinheiro para fazer “a verdadeira revolução”: a
comunista. Rompeu sozinho. Todos os tenentes ficaram do lado de Vargas.
O assassinato do presidente do estado da
Paraíba, João Pessoa, vice na chapa de Getúlio, em julho de 1930, embora não
tivesse motivos políticos, foi usado para acirrar os ânimos e convencer o
futuro presidente e seus aliados civis de que a revolução armada era uma
necessidade. Com isso, teve início, no dia 3 de outubro de 1930, um movimento
encabeçado pelos tenentes que tomou os quartéis de todo o país, até com certa
facilidade. Ao perceberem que a revolução havia sido vitoriosa, os generais
Tasso Fragoso (1869-1945), João de Deus Mena Barreto (1874-1933) e o almirante
Isaías de Noronha (1874-1963) depuseram Washington Luís e instalaram uma junta
governativa que entregou o poder a Getúlio Vargas na madrugada de 31 de
outubro, quando este chegou ao Rio. Três dias depois, o ex-candidato derrotado
tomou posse como Chefe do Governo Provisório. Era o fim da “velha” República e
o começo da “era Vargas”.
A vitória da Revolução reforçou uma
ideologia positivista que pregava a crença na importância da indústria, em um
governo centralizador e autoritário e no paternalismo com os trabalhadores.
Vargas acreditava – talvez com razão – que seria possível, naquela época,
proclamar a independência econômica do Brasil, cortando os laços de dependência
com o exterior. Se realmente existiu, tal possibilidade foi frustrada pela Segunda
Guerra Mundial (1939-1945). Em relação à classe operária, o novo governo foi,
ao mesmo tempo, condescendente e altamente repressivo. Os trabalhadores urbanos
obtiveram ganhos significativos: salário-mínimo, jornada de trabalho de oito
horas e regulamentação do trabalho de menores e das mulheres. Mas, ao mesmo
tempo, a estrutura sindical ficou totalmente atrelada ao Ministério do
Trabalho.
Não se pode falar da Revolução de 1930 sem
considerar tudo o que ocorreu nos anos seguintes. Em julho de 1932, teve início
uma rebelião em São Paulo que pretendia cobrar do presidente a convocação de
uma Assembleia Constituinte. Debelada a revolta, uma segunda Constituição
acabou sendo promulgada no dia 17 de julho de 1934, e resultou na eleição
indireta de Vargas como presidente. Por tudo isso, ele enfrentava uma forte
oposição: parte dos tenentes que o haviam apoiado em 1930, desiludida com o
governo, que consideravam não ter cumprido as promessas de campanha, criou, em
março de 1935, a Aliança Nacional Libertadora.
Getúlio ainda perdeu boa parte dos aliados
gaúchos, que deixaram de apoiá-lo por causa de disputas de poder nas eleições
estaduais de outubro de 1935. O governador do Rio Grande do Sul, Flores da
Cunha (1880-1959), que intervinha na política fluminense, fez com que toda a
bancada do estado se opusesse a Getúlio no Congresso, reforçou ostensivamente o
Corpo de Provisórios e a Brigada Militar, e tentou jogar Santa Catarina,
Paraná, São Paulo, Mato Grosso e Rio de Janeiro contra Vargas.
Com grande inteligência política, Getúlio
uniu o país em torno do combate ao comunismo – pois sabia melhor do que ninguém
que os comunistas, que na época estavam desarticulados ou presos, não ofereciam
perigo algum –, conseguiu neutralizar seus opositores e até ganhou o apoio
destes. Sabia, contudo, que deixaria seu cargo em 1938, quando haveria novas
eleições. Mas o presidente não queria que os paulistas retomassem o poder com
Armando de Salles Oliveira (1887-1945).
No dia 10 de novembro de 1937, Getúlio deu
o golpe que estabeleceu o Estado Novo. Sem poder contar totalmente com seus
antigos aliados – e prevendo a vitória dos paulistas nas eleições de 1938 –,
ele passou a se apoiar cada vez mais nos generais e coronéis simpatizantes do
fascismo, que garantiram a permanência de Vargas no poder.
Eram poucos os que, nessa época, defendiam
um governo liberal. A direita, representada pelos integralistas, tinha simpatia
pelo fascismo. A esquerda, dos tenentes, não descartava um regime repressor
para impor suas propostas nacionalistas, antilatifundiárias e liberais. E os
comunistas, que se uniram aos tenentes na Aliança Nacional Libertadora,
acreditavam numa ditadura de classe para acabar com a exploração do homem pelo
homem. Os mesmos generais que apoiaram Getúlio o depuseram em 29 de outubro de
1945. Mas o voto direto o levou, em 1950, outra vez à Presidência, que ele
deixou definitivamente quando se suicidou no dia 24 de agosto de 1954, momento
em que vinha sofrendo ataques constantes de seus opositores.
Afinal, por que não foi possível enfrentar
os desafios econômicos sem recorrer à ditadura? Por que os direitos humanos
foram tão desrespeitados durante o Estado Novo, ao mesmo tempo em que se
tomaram medidas de proteção aos trabalhadores? Pelo visto, essa fase marcante
da História do Brasil deixa até hoje muitas questões em aberto.
Marly de
Almeida Gomes Vianna é professora de História da Universidade Salgado de
Oliveira e autora de Política e rebelião nos anos 30. (Editora Moderna, 1995)
Saiba Mais -
Bibliografia
CARONE, Edgar. Brasil,
anos de crise. 1930-1945. São Paulo: Ática, 1991.
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MEIRELLES, Domingos. 1930,
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MURAKAMI, Ana Maria
Brandão (org). A Revolução de 1930 e seus Antecedentes. Coletânea de fotografias.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
PANDOLFFI, Dulce. Da
Revolução de 1930 ao Golpe de 1937: a depuração das elites. Rio de
Janeiro: FGV/CPDOC, 1987.
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