A obra de arte tem muitas vezes a capacidade de transportar as pessoas
numa autêntica viagem que parece suspender o tempo e cancelar o espaço ao seu
redor. Se isto é verdade para a leitura de uma obra literária ou a audição de
um concerto de música, confirma-se com mais vigor ainda quando assistimos a um
filme. A câmera substitui o nosso olhar e nos faz encontrar pessoas, percorrer
lugares, viver situações. Nós vemos e vivemos o que a câmera vê e filma. A
edição recorta e cola sequências, produzindo o efeito final da sucessão das
cenas. O espectador parece viver dentro da tela.
O efeito, contudo, é impressionante quando
o cinema se serve de uma técnica que assemelha ainda mais a arte à vida: o
plano-sequência, isto é, a filmagem direta e sem cortes de uma sequência de
cenas. Uma das mais recentes produções cinematográficas que recorrem a esta
técnica é o espetacular "Arca Russa", do diretor
Alexandr Sokurov, uma verdadeira viagem pelos salões do museu Hermitage de São
Petersburgo, que corresponde também a uma viagem pela história russa, através
de três séculos: tudo em um único plano-sequência, de cerca de 90 minutos.
Entre muitos filmes que lançam mão do plano-sequência, há dois que o
fazem para retratar o drama da guerra e o desastre que ela provoca, mesmo
quando a batalha foi vitoriosa. O primeiro é um filme de 2007, "Desejoe Reparação"
("Atonement", na versão original), dirigido pelo britânico Joe
Wright. Vencedor do Globo de Ouro de melhor filme dramático em 2008, o longa é
uma adaptação do livro homônimo do também britânico Ian Mc Ewan, que discute
sentimentos de amor, culpa e arrependimento, tendo como pano de fundo a
sociedade inglesa da primeira metade do século XX.
O ponto alto da película é um
impressionante plano-sequência de cerca de quatro minutos, que mostra o
protagonista, Robbie, e dois companheiros de armas na praia francesa de
Dunquerque, em 1940, durante a retirada das tropas inglesas que foram para o
continente lutar contra o avanço nazista sobre Paris, no começo da Segunda
Guerra Mundial. A sequência se refere a um momento daquela que foi chamada de
Operação Dínamo, e que consistiu na evacuação do porto de Dunquerque, e das
praias ao redor da cidade, de milhares de soldados da Força Expedicionária
britânica e de países aliados (entre final de maio e início de junho, sob
intenso bombardeio inimigo, foram evacuados mais de 300 mil homens). A ofensiva
alemã não dava mais chances de luta às tropas aliadas, que, encurraladas em
poucos quilômetros de litoral, só podiam ser resgatadas pelo mar.
O filme, no plano-sequência em questão,
mostra Robbie em sua peregrinação pela praia, em busca de uma saída, e assim
somos apresentados ao drama de milhares de soldados acuados naquele pequeno
espaço vital, como ele. A câmera acompanha o protagonista e seus companheiros
esbarrando com esta situação, aparentemente sem salvação. Há quem chore, quem
brigue, quem beba e quem tente eliminar todas as potenciais presas dos
nazistas, como cavalos e veículos. Um grupo de soldados, num coreto, entoa um
hino religioso, talvez numa tentativa de transmitir força e esperança ao resto
das tropas. Ao redor, somente máquinas de guerra inservíveis, areia, fumaça e
até uma espectral roda gigante, paradoxal símbolo de uma diversão agora
impossível. O resultado é um sugestivo exercício cinematográfico, aliado a mais
uma exposição do que é o homem diante de uma condição extremada como a guerra.
Ainda restando no âmbito da cinematografia
britânica, outro plano-sequência memorável sobre um evento bélico se encontra
quase no final do filme "Henrique V", dirigido por Kenneth
Branagh. Realizado em 1989, é uma adaptação para o cinema da homônima peça de
Shakespeare. O longa reconstrói a jornada do rei inglês, interpretado pelo
próprio Branagh, em sua luta contra os franceses, durante a Guerra dos Cem
Anos. A sequência se refere aos momentos sucessivos à batalha de Azincourt, no
norte da França, travada em 25 de outubro de 1415, dia de São Crispim, entre o
exército inglês (15 mil homens) e as muito mais numerosas tropas francesas
(cerca de 50 mil). Shakespeare (Branagh também) põe na boca de Henrique V um
breve discurso na véspera da batalha: "Aquele que sobreviver esse dia e
chegar à velhice, a cada ano, na véspera desta festa, convidará os amigos e
lhes dirá: "Amanhã é São Crispim". E então, arregaçando as mangas, ao
mostrar-lhes as cicatrizes, dirá: "Recebi estas feridas no dia de São
Crispim." O confronto se deu num terreno transformado em atoleiro pelas
fortes chuvas, mas onde a habilidade dos arqueiros britânicos se sobressaiu,
permitindo a derrota do exército inimigo, que sofreu perdas enormes.
A vitória inglesa é celebrada através de
um canto religioso, o “Non Nobis, Domine”
("Não a nós, Senhor"), que atribui somente a Deus a glória pelos
sucessos humanos, nesta circunstância o triunfo em batalha. Entoada por um
único soldado no começo da sequência, a música é cantada por cada vez mais
vozes, transformando-se num crescendo ao longo do plano-sequência, durante o
qual o espectador acompanha Henrique V. O rei, embora esgotado pela luta, ainda
encontra forças para carregar nos ombros um jovem soldado morto e atravessar
todo o campo de batalha, em meio a lama, sangue, feridos e cadáveres, lanças e
flechas, até conseguir depor o corpo perto da bandeira inglesa. Como um triste
cortejo, soldados exaustos acompanham os passos do rei, numa mistura de
sentimentos, onde ao orgulho pela vitória se sobrepõe a consciência de que se
tratou de um verdadeiro milagre divino e que mesmo assim custou demasiadas
vidas humanas. Aqui o espectador também é transformado em mais um soldado do
exército inglês, participando dos momentos finais daquela histórica batalha.
Arca Russa (Russian Ark 2002)
Um museu como um ser vivo, uma
entidade que respira e tem personalidade própria. Sokúrov empresta alma ao
colossal palacete do Hermitage, em São Petersburgo, um dos maiores museus do
mundo. Arca Russa foi filmado em um único plano-sequência, sem cortes, que dura
97 minutos e atravessa 35 salas do museu, transformando a tela de cinema em um
quadro vivo por onde desfilam personagens importantes da história da Rússia:
Pedro, o Grande; Catarina, a Grande; Catarina II, Nicolau e Alexandra.
Simbiose perfeita de cinema, história e artes plásticas, Arca Russa é uma experiência visual única e inesquecível.
Simbiose perfeita de cinema, história e artes plásticas, Arca Russa é uma experiência visual única e inesquecível.
Direção: Aleksandr
Sokurov
Ano: 2002
Duração: 95 min
Tamanho: 292 MB
Henrique V
(Henry V 1989)
Esta é uma das melhores transposições
para o cinema de uma das obras-primas do maior escritor de língua inglesa de
todos os tempos, William Shakespeare, realizada por um especialista no assunto,
o diretor e ator Kenneth Branagh. Trata-se da história de Henrique V (Branagh),
da Inglaterra que entra em guerra contra a França, comandando um exército com
menor número de soldados. Indicado ao Oscar de Melhor Diretor e Ator e vencedor
do Oscar® de Melhor Figurino.
Direção: Kenneth
Branagh
Ano: 1989
Áudio: Inglês/legendado
Tamanho: 392 MB
Desejo e Reparação (Atonement 2007)
Desejo e Reparação (Atonement 2007)
Direção: Joe Wright
Ano: 2007
Áudio: Português
Tamanho: 432 MB
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