Quem ouve o prefeito, os secretários e os
vereadores falarem não acredita. Explicam em pormenores como tudo funciona,
resolvem conflitos, debatem assuntos de interesse de seus pares, escutam suas
reivindicações, discutem como encaminhá-las. Em tempos de eleição, daria até
para pensar que o grupo é formado por políticos vencedores do primeiro turno já
montando suas equipes. Mas não. São alunos com idades entre 10 e 15 anos,
eleitos para serem os primeiros gestores da república de crianças
recém-constituída na Emef Presidente Campos Salles, escola pública localizada
em Heliópolis, segunda maior favela de São Paulo, que se inspirou na Escola da
Ponte para adotar um modelo de educação democrática.
Na república da Campos Salles, as crianças
eleitas têm poder de decisão, inclusive em assuntos que os alunos nem sempre
são benvindos, como questões administrativas e regras gerais de funcionamento
da escola. E o que eles decidem, se for viável, tem poder de lei. A escola tem
um prefeito, Wilas de Arruda,15, e quatro secretários responsáveis
pelas áreas de Cultura e Esporte, Comunicação, Convivência e Diversidade, Saúde
e Meio Ambiente. Além de cerca de 30 vereadores e suplentes. Todos responsáveis
por se envolver na gestão de uma escola com 1.100 alunos de ensino
fundamental.
A república das crianças não é um contexto
isolado de participação dos alunos na Campos Salles. Desde 2005, a escola vem
adotando processos de ensino que buscam empoderar as crianças e compartilhar
com elas a responsabilidade de gerir a escola. Quem capitaneia o modelo,
chamado pelos professores apenas de “projeto”, é o diretor Braz Nogueira, à
frente da escola há 17 anos. Para entender como foi a implantação da educação
democrática, no entanto, é preciso voltar no tempo. “Hoje a escola está muito
diferente. Duas horas depois de eu chegar, em 1995, eu coloquei as mãos na
cabeça e perguntei: ‘o que eu estou fazendo aqui?’”, conta o diretor.
Escola da comunidade
A época era outra, diz
Braz. Heliópolis convivia com a violência, as chacinas eram recorrentes e os
traficantes haviam imposto um toque de recolher. Foi uma tragédia, o
assassinato de uma aluna do turno da noite nas imediações da escola na saída da
aula que fez tudo começar a mudar, lembra o diretor. “Aquela morte me revoltou.
Eu percebi que nós estávamos sendo omissos.” Ainda no velório, ele começou a
conversar com professores e lideranças locais para convencê-los de que era
preciso fazer alguma coisa. “A gente não podia mais aceitar a banalização
da violência”, diz o diretor, que convocou uma caminhada pela paz nas ruas
favela. O movimento começou pequeno, mas, ano após ano, foi ganhando força e
trazendo a comunidade para dentro da escola.
Nos anos que se seguiram, do fim da década
de 90 ao início dos anos 2000, a Campos Salles passou a consolidar sua boa
relação com o entorno e foi se tornando um modelo. Em 2002, conta Braz, outro
episódio colocou essa relação à prova. Cerca de 20 computadores novos foram
roubados de dentro da escola. “Saí pelas ruas e pelos bares de Heliópolis
dizendo: não foi a escola que foi roubada. Foram seus filhos!”, lembra. Dias
depois, ele foi abordado por alguns rapazes que disseram que devolveriam os
computadores na rua de trás da escola. Dito e feito. Recuperou os computadores.
O projeto
A boa relação com a comunidade, porém,
ainda não se refletia na relação entre alunos e professores. “O estudante ainda
não era visto como um ser integral, capaz”, lamentava Braz, que fazia uma
pós-graduação e resolveu, como projeto final, adaptar e implantar as ideias da
Escola da Ponte na Campos Salles. “Lá eles tinham 180 alunos e era turno
integral. Aqui tínhamos mais de mil e quatro turnos. E se o caos se
instalasse?”, temia Braz, que foi buscar ajuda na Emef Desembargador Amorim
Lima, escola da mesma rede e que já adotava a metodologia. Nos anos de 2006 e
2007, a escola começou a mudar a sua abordagem pedagógica.
Em vez da sala de aula clássica, as turmas
passaram a ser divididas em grupos. No lugar da aula expositiva, as atividades
seguiam um roteiro de estudo, em que os próprios alunos deveriam buscar
informações e construir seu aprendizado. O Ideb da escola aumentou, tudo ia
bem, mas elas ainda estavam lá: as paredes. “No final de 2007, chamei m grupo
de professores e perguntei se eles apoiavam que eu tirasse as paredes das
salas. Eles disseram que sim. Quando voltaram, no outro ano letivo, eu tinha
derrubado tudo.”
“Todos os professores devem saber o que os
colegas estão trabalhando em seus roteiros. Se não souberem, têm que buscar a
resposta ou com os colegas ou com alunos do salão que tenham solucionado o
problema.”
Braz transformou as salas de aula das
mesmas séries em quatro grandes salões, cada um com mais de cem alunos, que
sentam em grupos de até quatro pessoas. Os roteiros de todas as disciplinas são
entregues, em média, uma vez por mês. O professor da disciplina faz uma
orientação específica e deixa os roteiros com os alunos, que vão cumprindo as
atividades na ordem que acham melhor. Quando têm dúvida, procuram os colegas do
grupo ou os professores – ficam, pelo menos três por salão – para tirar as
dúvidas.
Mas e se não tiver um professor da
disciplina que os alunos estão com dúvida? “É exatamente isso que faz o projeto
ser revolucionário”, diz o diretor. “Todos os professores devem saber o que os
colegas estão trabalhando em seus roteiros. Se não souberem, têm que buscar a
resposta ou com os colegas ou com alunos do salão que tenham solucionado o
problema.” Com mais autonomia, os estudantes são estimulados a descobrirem o
que gostam mais de fazer, a entenderem seus sonhos. “Antes, a gente perguntava
para os alunos o que eles queriam ser e eles não sabiam. Hoje, todo mundo tem
um sonho e sabe qual ele é”, afirma o diretor.
O formato, claro, causou estranheza no
início e até hoje tem quem goste e se adapte e tem quem não goste, sejam alunos
e professores. “Aqui está nascendo um novo professor e um novo aluno. Mas todo
parto é doloroso”, diz Braz, que já poderia estar aposentado há quatro anos,
mas segue no comando da escola.
Saiba
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Saiba Mais: Documentário
A Educação
Proibida (La Educación Prohibida)
E como seria essa
pós-educação? Uma educação traçada pelo próprio educando, que escolhe o quê,
onde e como aprender; que valoriza as emoções, o desenvolvimento integral do
ser – que, por viver, está constantemente inacabado. Ela é um simples, mas
importante, processo de abertura, de criar um ambiente diverso em
possibilidades; onde, como já disse o mestre Paulo Freire, “quem ensina aprende
ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender”. De forma autônoma, então, o
indivíduo descobre sua vontade e potencial, que é único, aprende através da
experiência, e desperta sua criatividade para abrir espaço e atuar na
sociedade.
A produção do longa foi
parte de uma iniciativa totalmente independente, conduzida por um grupo de
jovens latino-americanos preocupados com o futuro da educação, e contou com a
contribuição financeira de centenas de coprodutores de todo o mundo.
Duração: 145 minutos
Ano: 2012
Saiba
Mais: Filmes
Korczak (As
200 Crianças do Dr. Korczak)
Diretor: Andrzej Wajda
Duração: 112 minutos
País de Origem: Polônia
Áudio: Polonês/Alemão/Legendado
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