Rodado em 1977, filme do sueco Ingmar
Bergman retrata a Alemanha nos primeiros anos após a Primeira Guerra Mundial.
Obra identifica a década de 1920 como o período em que o nazismo começou a
ganhar forma.
Alexandre
Enrique LeitãoBerlim, 1923. Nas ruas miseráveis da cidade alemã, um homem esguio caminha silenciosamente durante a madrugada. Ao virar uma esquina, ele se depara com uma cena inquietante: mãe e filha, vestindo roupas esfarrapadas, devoram a carcaça de um cavalo. Mais adiante, a uma larga distância, o homem testemunha um grupo uniformizado agredindo um indivíduo desarmado. Sua única atitude é fugir. A sequência de acontecimentos faz parte de O ovo da serpente, de Ingmar Bergman – filme que talvez faça o retrato mais perfeito da República de Weimar e que capte com mais sutileza o surgimento do nazismo.
O homem em questão, o andarilho das noites
berlinenses, é Abel Rosenberg, um acrobata de circo de origem judaica, que logo
nos primeiros minutos da película fica estarrecido com a notícia do suicídio do
irmão. Interpretado por David Carradine, o personagem decide resolver questões
pendentes de seu ente querido, desvendando aquilo que pode ser o que realmente
ocorreu com seu irmão.
Produzido em 1977, O Ovo da Serpente sempre
foi considerado por Bergman o seu pior filme. Em parte pelas brigas que teve no
set com Carradine; em parte por se tratar de uma obra com claro foco na
narrativa - em detrimento do cinema mais contemplativo e intelectual que o
diretor sueco vinha fazendo. Mesmo assim, a obra continua a chocar: retrata uma
sociedade à beira do caos econômico e político e demonstra como, sob essas
circunstâncias, é possível ver os contornos do nascente movimento fascista.
Bergman faz poucas menções diretas a
Hitler e ao Partido Nazista, mas ainda assim conseguimos percebe-los. Seja
quando uma turba uniformizada invade um cabaret para agredir seu mestre de
cerimônias, ou quando surge a figura do Inspetor Bauer, responsável por
investigar a morte do irmão de Abel. Bauer, interpretado pelo lendário ator
alemão Gert Fröbe, é um policial, mas mais do que isso, é um burocrata inserido
dentro da tradição de ordem prussiana. Em um de seus interrogatórios com Abel,
o inspetor parece encarnar a melancolia do pós-Primeira Guerra Mundial. Sua
maior frustração é ver seu país, que um dia foi Império, adentrar numa espiral
de anarquia, resumida com perfeição na sentença: “Sexta-feira eu quis ir a
Stettin ver minha mãe idosa, que completava oitenta anos, mas não havia horários
para os trens. Havia um trem que ia para lá, mas sem horário. Imagine! Uma
Alemanha sem horários!”.
Por meio do inspetor Bauer, ficamos
sabendo que o país está com dificuldades para pagar as reparações de guerra
exigidas pela França e pela Inglaterra; percebemos também que a taxa de câmbio
é de 1 dólar para 5 bilhões de marcos, ou que comunistas estão infiltrados em
todos os escritórios; e até mesmo que Herr Hitler planeja um
golpe de Estado em Munique. Em verdade, todos os eventos do filme se circunscrevem
ao momento do famoso Putsch da Cervejaria, ocorrido no dia 9
de novembro de 1923. Nessa data, aniversário de cinco anos da Declaração da
República de Weimar, Hitler e as SA (as milícias nazistas) tentaram derrubar o
governo da região da Bavária, a fim de iniciar uma marcha militar com objetivo
final de ocupar Berlim e o estabelecer uma ditadura nacional-socialista.
Considerado um dos maiores fiascos da história política do século XX,
o putsch foi rapidamente suprimido pela polícia de Munique e
Hitler encarcerado na prisão de Landsberg. Em sua cela, o líder do movimento
nazista escreveu o livro Minha Luta (Mein Kampf),
repensando toda a estratégia de seu partido, e o preparando para conquistar o
poder por vias eleitorais – projeto que acabaria se mostrando bem-sucedido em
1933, quando ele foi nomeado primeiro-ministro.
No filme, o papel de anunciador da nova e
terrível era de totalitarismo, que se avizinhava da Alemanha, cabe ao
personagem do Dr. Hans Vergerus, um enigmático cientista que, sem motivo
aparente, oferece sua ajuda a Abel e a cunhada Manuela. Liv Ullman, esposa e
musa de Bergman, dá vida à moça, mostrada como uma das últimas almas
esperançosas em meio às ruínas de uma Berlim falida.
Dotado de uma fotografia que privilegia os
tons cinzentos e pastéis, O Ovo da Serpente adere a uma
narrativa convencional de mistério e é feito, sobretudo, como uma fábula de
advertência. Dez anos antes da subida dos nazistas ao poder, já se podia ver um
fantasma rondando as vielas da Alemanha e pressupor que em meio à desordem, à
crise econômica e ao vácuo político, uma semente de radicalismo e violência
estava para brotar. Como afirma um dos personagens, já no clímax da película,
aquele não era o momento do sucesso de Hitler – a vitória só chegaria em alguns
anos, quando os jovens do país se tornassem adultos e se vissem cansados de
viver em uma terra amargurada.
Ao cabo da trama, sentencia-se que o
fascismo era uma ameaça perceptível, como anunciou Dr. Vergerus em determinado
momento do filme: “É como o ovo de uma serpente. Através das finas membranas,
você pode claramente discernir o réptil já perfeito”.
Ano: 1977
Áudio: Alemão, Inglês /Legendado.
Duração: 120 minutos.
Numa carreira que cobriu
meio século e durante a qual ele criou mais de 50 filmes e 125 produções
teatrais, Bergman tornou-se a mais aclamada personalidade cultural da
Escandinávia.
Em entrevista rara concedida em 2001,
Bergman disse à Reuters que durante
toda sua vida ele foi atormentado e inspirado por demônios pessoais. "Os
demônios são inúmeros, aparecem nos momentos mais impróprios e geram pânico e
terror", disse ele na época. "Mas já aprendi que, se consigo
controlar as forças negativas e atrelá-las a minha carruagem, elas podem
trabalhar em meu benefício."
Nunca o vínculo autobiográfico ficou mais
claro que em "Fanny e Alexandre", que Bergman afirmou ser sua grande
final como cineasta. O filme recebeu quatro Oscar em 1984, um deles de melhor
filme em língua estrangeira.
"Fanny e Alexandre" é um
panorama detalhado de uma família de classe alta de Uppsala nos anos que
antecederam a 1ª Guerra Mundial. O garoto Alexandre, 10 anos, e sua irmã Fanny,
8, são mental e fisicamente abusados por seu padrasto, o bispo local, inspirado
no pai de Bergman.
O tímido e fraco Alexandre usa poderes
sobrenaturais para vingar-se de seu padrasto de maneira sinistra.
Em seus últimos anos de vida, Bergman
dedicou-se ao trabalho de palco no Real Teatro Dramático de Estocolmo,
demonstrando preferência por obras teatrais clássicas.
Talvez o melhor comentário sobre Ingmar
Bergman tenha partido de Jean-Luc Godard: "O cinema não é um ofício. É uma
arte. Cinema não é um trabalho de equipe. O diretor está só diante de uma
página em branco. Para Bergman estar só é se fazer perguntas; filmar é
encontrar as respostas. Nada poderia ser mais classicamente romântico".
(Jean-Luc Godard, "Bergmanorama", Cahiers du cinéma, Julho – 1958).
O diretor e roteirista morreu em sua casa
na ilha de Faro (30 de julho de 2007), no mar Báltico aos 89 anos, de forma
tranquila – segundo sua filha, Eva Bergman.
Saiba
Mais - Filmes:
O Sétimo
Selo (Det Sjunde Inseglet)
O tema fundamental do filme é a
questão do medo da morte; um cavaleiro que volta das Cruzadas para encontrar em
sua terra a peste e a morte. Sua fé em Deus é sensivelmente abalada e enquanto
reflete sobre o significado da vida, a Morte (Bengt Ekerot) surge à sua frente
querendo levá-lo, pois chegou sua hora. Objetivando ganhar tempo, convida-a
para um jogo de xadrez que decidirá se ele parte com a Morte ou não. Tudo
depende da sua vitória no jogo e a Morte concorda com o desafio, já que não
perde nunca.
Apesar de perder o jogo, a
Morte continua a perseguí-lo enquanto viaja pela Suécia medieval. No mundo
medieval tudo era entendido através da religião, então o sentido da indagação
do cavaleiro é questionar a religiosidade, incluindo o papel de Deus e do Diabo
na vida humana.
Direção: Ingmar Bergman
Áudio: Sueco, Latim/Legendado.
Duração: 97 minutos.
Morangos
Silvestres (Smultronstället)
O professor de medicina Isak Borg (Victor
Sjöström), dirige com sua nora Marianne (Ingrid Thulin) de Estocolmo a Lund
para receber um título honorífico da Universidade de Lund por seus 50 anos de
carreira. Na noite que antecipa sua viagem a Lund, Isak Borg tem um pesadelo
que o confronta com a realidade da morte. No caminho, relembra os principais
momentos de sua vida, temendo a morte que se aproxima. Conhece diversas pessoas
na estrada, desde Sara e os seus companheiros de viagem , Viktor e Anders, os
quais se dirigem para Itália, assim como um casal que faz lembrar Isak a sua
própria vida e casamento.
O impacto de antigas
lembranças leva o médico a um estado onírico, onde vê Sara (Bibi Andersson)
oferecendo morangos silvestres no jardim de sua casa. Entre o passado, o
presente e a imaginação, Isak abandona as angústias e experimenta uma nova comunhão com a vida.
Direção: Ingmar Bergman
Áudio: Sueco/Legendado.
Duração: 90 minutos.
Persona
O filme conta a história de Elizabeth
Vogler (Liv Ullmann), uma atriz que surta durante a apresentação da tragédia
Electra. Como consequência, Elizabeth repousa em uma clínica psiquiátrica. A
médica responsável conclui que sua estadia na clínica não surte resultado e
assim sugeria que ela vá para sua casa de praia junto com uma enfermeira Alma (Bibi
Andersson). Mesmo na praia Elizabeth recusa-se a voltar a falar, mas isso não
impede que uma forte relação de identificação se estabeleça entre ela e Alma, passando
a desenvolver uma intimidade e cumplicidade crescentes. Quando Alma sente sua
confiança traída, ela volta-se contra Elizabeth e os papéis que representavam
até o momento são invertidos. Por fim, as duas voltam da praia, e Elizabeth
retoma seu trabalho de atriz.
Direção: Ingmar Bergman
Áudio: Sueco/Legendado.
Duração: 79 minutos.
Gritos e
Sussurros (Viskningar och rop)
Em uma casa no campo uma mulher Agnes
(Harriet Andersson) está bastante enferma e recebe cuidados de suas duas irmãs Maria
(Liv Ullmann) e Karin (Ingrid Thulin), e de uma empregada da família Anna (Kari Sylwan), que precocemente perdeu sua filha
e por isso extravasa seu amor de mãe dando o maior carinho possível para aquela
moça tão debilitada. Dentro deste contexto lembranças, frustrações e
imaginações em um misto de amor e ódio surgem no interior de cada pessoa.
O nome do filme é o fio
condutor dos personagens. São os gritos de desespero causados pela dor, o
tic-tac interminável do relógio e os sussurros das irmãs pelos sombrios
corredores da casa, que compõe a trilha sonora.
Ingmar Bergman definiu
Gritos e Sussurros como um filme que se aproxima mais de um estado de alma do
que propriamente de uma história a ser narrada dentro dos princípios básicos do
cinema.
Ganhou o Oscar de Melhor
Fotografia além de ter sido indicado para Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor
Roteiro Original e Melhor Figurino. Recebeu uma indicação ao Globo de Ouro de
Melhor Filme Estrangeiro e duas indicações ao BAFTA de Melhor Atriz para Ingrid
Thulin e Melhor Fotografia. Ganhou ainda o Prêmio Bodil de Melhor Filme Europeu
e o Grande Prêmio Técnico no Festival de Cannes.
Ano: 1972
Áudio: Sueco/Legendado.
Duração: 91 minutos.
Fanny e
Alexander (Fanny och Alexander)
Na história, o menino Alexander
(Bertil Guve), vive com os pais e a irmã Fanny (Pernilla Allwin), em um imenso
casarão que pertence à sua avó materna. Seu avô fora o diretor do teatro da
cidade e após a morte dele, o seu pai assumiu a administração. Toda a família
está direta ou indiretamente ligada ao teatro e Fanny e Alexander tem uma vida
cheia de amor, carinho e tudo o mais que uma criança poderia querer. A
repentina morte do pai, no entanto muda completamente a vida dos meninos. A mãe
deles se casa com um severo bispo Luterano, que a trata a partir de então como
uma serva e as crianças como prisioneiros, quando ela percebe o erro cometido
ao se casar de novo, já é tarde demais para tentar voltar atrás. Os tempos bons
que ficaram para trás se tornam cada vez mais distantes. Apenas Alexander tem
dentro de si uma rota de fuga, que pode o levar de volta para os tempos de
alegria.
O desfecho do filme é
carregado de significados não aparentes e simbolismos, tão presentes em toda a
filmografia do diretor. Em uma entrevista ele chegou a comentar: “O privilégio
da infância é podermos transitar livremente entre a magia da vida e os mingaus
de aveia, entre um medo desmesurado e uma alegria sem limites (...). Eu sentia
dificuldade para distinguir entre o que era imaginado e o que era real...”.
Ano: 1982
Áudio: Sueco/Legendado.
Duração: 180 minutos.
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