Policial
civil revela como funcionam os novos esquadrões da morte de São Paulo e
denuncia as perseguições que sofrem os agentes que se negam a matar e torturar.
Primeiro, identificam-se os
"bilões" de cada batalhão, que, na gíria da Polícia Militar (PM), são
os policiais mais violentos. Depois, eles são chamados para integrar os
"caixas-dois", como são conhecidos os grupos de extermínio de cada
batalhão. Para o "trabalho", geralmente usam viaturas da Rota e da
Força Tática - ou Forjas Trágicas, como são apelidadas. O caixa-dois é formado
por três integrantes, sendo um deles escoltado até um local seguro, onde tira a
farda, coloca uma roupa civil e usa uma moto ou um carro para orientar ou
executar os assassinatos. Geralmente, atuam em sua área de circunscrição de
trabalho.
Quando o serviço acaba, chega uma viatura,
encarregada de recolher as cápsulas e pedir para o pessoal do comércio lavar o
local. O importante é adulterar a cena do crime. Em seguida, coloca-se a vítima
no carro, e, mesmo que esteja morta, ela é levada ao hospital. Quando necessário,
usam o "kit vela" ou "kit flagrante": uma porção de
entorpecente e uma arma fria colocada na mão do cadáver, para justificar o homicídio.
Às vezes, também deixam um celular junto à vítima.
"O caixa-dois funciona quando não dá
para fritar na resistência [justificar o assassinato como decorrência de
suposto confronto com a PM]", explica um policial civil, que investigou
grupos de extermínio formados por policiais militares. "A maior parte deles
participa do negócio, mesmo quem não mata. É até uma questão de subordinação hierárquica
ao comando."
Na maioria dos casos de extermínio, seja
na capital, litoral ou interior, o modus
operandi das ações é praticamente o mesmo. Atiradores em carros de cores escuras,
vestindo toucas ninja e roupas pretas, e manejando, na maioria das vezes, armas
de calibres 9mm, .380 ou .40.
Punição
A regra do batalhão é: o PM se negou a
torturar, a matar? Vai para o PAO: Pelotão de Apoio Operacional, espécie de
punição dada pelo comando de alguns batalhões da PM paulista a policiais que se
negam a participar de ilegalidades e abusos, como torturas, matanças e grupos de
extermínio. O castigo consiste em fazer ronda do lado de fora do batalhão,
ficar 12 horas de pé, incomunicável com os outros membros da tropa e sem poder
comer, urinar ou evacuar. Os que ousarem se solidarizar com os castigados são
punidos da mesma maneira.
O major de um dos batalhões onde o PAO é aplicado
intimida sua tropa batendo no peito e gritando: "Eu sou Highlander, vocês
me respeitem!". Highlander é um grupo de extermínio chamado dessa maneira,
porque corta as cabeças e mãos das vítimas. O major incentiva a matança de
"ladrões" e dispensa do trabalho quem matar mais. Manda para o PAO
quem não quiser entrar para o "caixa-dois".
Essas graves acusações são feitas pelo
policial civil, citado anteriormente, e por um sargento da Polícia Militar - ambos
não compactuaram com ilegalidades cometidas por membros de suas corporacões. O
primeiro conversou com a Caros Amigos
na condição de sigilo de identidade, sob alegação de estar sendo perseguido e
ter sofrido ameaças e duas tentativas de homicídio, após ter apresentado
relatórios de investigação sobre grupos de extermínio.
A denúncia sobre o PAO também foi levada
ao Conselho de Defesa da Pessoa Humana (Condepe), que vem sendo procurado por
policiais civis e militares que não estão de acordo com torturas, assassinatos
e desaparecimentos que vêm acontecendo em São Paulo. "Primeiro vieram
investigadores da polícia civil, depois da PM - soldado, sargento, tenente e
até capitão -, e, por fim, delegados de polícia. Todos deram um quadro que, para
nós, é muito grave. São pessoas que ficam na seguinte situação: 'ou eu entro
para a bandidagem ou sou punido'", relata Ivan Seixas, presidente da
instituição. Segundo ele, tais funcionários
públicos estão sofrendo
ameaças de morte, de punição e processos administrativos e disciplinares. As
denúncias que o policial passou à reportagem da Caros Amigos também foram encaminhadas a órgãos públicos
fiscalizadores da lei.
Higiene
Social
De acordo com o policial civil, os grupos
de extermínio funcionam "numa égide de controle e higienização social,
para prestigiar o comando e o governo, para abaixar índices de
criminalidade", explica. "Assim, os vagabundos sabem que, se roubarem
naquela determinada cercania, vão para o saco, morrem. Isso provoca um êxodo, o
cara migra". Segundo ele, ao ajudar a baixar as estatísticas de violência
nas suas regiões de trabalho, os policiais recebem proteção do comando, sendo
favorecidos por melhores escalas, bicos, armamentos, viaturas e outros equipamentos
táticos.
Um dos grupos de extermínio que atuava
dessa maneira, os Highlanders, era formado por policiais da Força Tática do 37°
Batalhão, na Zona Sul de São Paulo. Eles atuavam no bairro do Jardim Ângela,
matando as vítimas e jogando os corpos decapitados em Itapecerica da Serra, na
Grande São Paulo. Aproveitando a situação, os policiais dos grupos de
extermínio também cometeriam crimes para matar seus desafetos.
Paralelamente a isso, também matam por
encomenda, "modalidade" de assassinatos chamada de "firma".
"É quando parte do ideal funcional vai para o ideal capitalista". Tal
modalidade estaria, assim, diretamente relacionada com os casos de corrupção. "A
corrupção e a mortandade são institucionalizadas". O policial civil
relata, ainda, que existe um acordo entre policiais e criminosos sobre a
divisão de caixas eletrônicos. Na firma, também entram disputas por
caça-níqueis, loterias clandestinas e bingos.
Mortos ‘em
confrontos’
Segundo dados divulgados pela PM no final de
agosto, nos primeiros sete meses deste ano 170 pessoas foram mortas por
policiais militares na capital paulista, contra 128 no mesmo período de 2011 -
um aumento de 32%. Os números incluem os mortos em confrontos com a PM [as
chamadas "resistências seguidas de morte"] e vítimas de "homicídios
cometidos por policias em período de folga. Em todo o estado de São Paulo, o
número de mortos por PMs atingiu a marca de 369 pessoas (redução de 4%). De
janeiro a julho, 57 PMs morreram nas mesmas condições.
Nas periferias e região metropolitana' de
São Paulo, os meses de junho e julho foram marcados por terror, batidas e
toques de recolher impostos pela PM, execuções sumárias e chacinas com características
de grupos de extermínio, que teriam a participação de policiais militares.
De acordo com balanço trimestral divulgado
em 25 de julho pela Secretaria Estadual de Segurança
Pública de São Paulo
(SSP), o número de homicídios dolosos na cidade de São Paulo cresceu 21,8% no
primeiro semestre de 2012 em comparação a 2011: 586 homicídios nos primeiros seis
meses deste ano contra 482 no mesmo período do ano passado. Para o policial
ouvido pela Caros Amigos, esses dados
são "maquiados". "Muitas vezes um BO [Boletim de Ocorrência] que
seria de tentativa de homicídio é elaborado como lesão corporal, encontro de cadáver,
morte a esclarecer. Hoje, a maior parte dos casos de resistência seguida de
morte são casos de execução. E como são, na maioria, de pobres e negros,
'foda-se'".
Vingança e
limpeza
Um relatório realizado pelo serviço de
inteligência do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) da Polícia
Civil de São Paulo indica que, entre 2003 e 2010, grupos de extermínio formados
por PMs foram responsáveis pelo assassinato de 152 pessoas em São Paulo, em 70
ocorrências. Quase a metade (48%) das Vítimas fatais não tinha antecedentes
criminais. Já entre os que sobreviveram aos tiros. 82% não tem passagem pela
polícia. A maioria dos mortos e feridos são do sexo masculino (90%).
De acordo com o documento, produzido em
2011, os assassinatos foram motivados por: vingança (20%); abuso de autoridade
(13%); "limpeza" (13%); cobranças ligadas ao tráfico (10%), e
cobranças ligadas ao jogo (5%). Além disso, 39% das mortes não tiveram motivo
aparente.
A investigação indica dois grupos de extermínio
de PMs, um na Zona Norte e outro na Zona Leste. O primeiro é chamado de
"Matadores do 18", já que os acusados são do 18º Batalhão. Entre as
mortes atribuídas a ele está a do coronel José Hermínio Rodrigues, que era
comandante da área, em 2008. O PM Pascoal dos Santos Lima, apontado como um dos
membros do grupo, é acusado de 17 mortes.
O relatório aponta o PM Valdez Gonçalves
dos Santos, do 21º Batalhão, como o chefe do grupo da Zona Leste. Ele é acusado
de matar pelo menos 23 pessoas e ferir outras 17. Mas, de acordo com o
relatório obtido pela reportagem, Valdez é responsável por mais de 50
assassinatos.
"Esses caras se tornam deuses. O
Valdez, depois de ter sido preso, está na rua. Quem não pagava pau para ele,
para se solidarizar, paga agora de medo". Integrante da Força Tática do
21º Batalhão, Valdez tem uma tatuagem no braço com o símbolo da morte: uma
pessoa vestindo uma capa preta. Valdez foi preso em 2010 pelo assassinato do
camelô Roberto Marcel dos Santos - tirado de dentro de casa e morto com dez
tiros no dia em que completava 22 anos -, mas foi absolvido em júri popular
ocorrido em 2011. O soldado e outros quatro PMs da Força Tática são
investigados pela Corregedoria da PM e pelo DHPP. De acordo com as
investigações, os assassinatos estão ligados a uma disputa de pontos de venda
de drogas na Zona Leste de São Paulo.
Sangue nos
olhos
"Os grupos começaram a atuar para
prestigiar o comando, fazendo um favor de limpar socialmente. Mas não só os
'noias' [usuários de drogas]. Se está havendo muito roubo de carro, por exemplo,
eles matam os caras", explica o policial. "Mas o que passou a acontecer
depois é que um traficante começou a pagar para o policial matar o seu rival.
Os caras iam e matavam o concorrente dele. Nisso, virou uma 'firma",
conta. "E nessas tem muito PM batizado no PCC".
Para atuar nos grupos de extermínio, seja das
modalidades "firma" ou "caixa- dois", os escolhidos para a
"linha de frente" são os "bilões", os considerados mais
violentos; "os que mais têm 'sangue nos olhos', os que mais batem, mais
torturam, com perfil de psicóticos. Eles são detectados e, em vez de serem colocados
sob avaliação, ganham respaldo, incentivo. Se o cara já é monstro, vira o
quê?".
Tais policiais teriam o hábito de filmar e
fotografar os cadáveres de suas vítimas e compartilhar entre eles. "É
comum abordar um PM e encontrar fotos de um monte de vítimas em seu celular. E
ele ganha status com isso. Ao exibir essas fotos, ele é promovido, é
favorecido." Segundo o policial, as futuras vítimas também são
fotografadas - suas imagens ficam no celular dos policiais para que estes as
identifiquem caso cruzem com elas. Os PMs chegam, ainda, a compartilhar as
imagens na internet, postá-las em blogs e sites.
Os policiais são formados para matar,
acredita o policial civil. "Isso é cultural, institucional, vem da
formação deles. Além disso, há muito incentivo dentro dos batalhões. Esse
papinho de que vai fazer pacto é balela [referindo-se ao anúncio do comando da
PM de que pagará gratificação para policial que matar menos]. Não vai mudar
nada. Se o cara puder, ele mata mesmo".
Após os dois meses de aumento da violência
policial, o Comandante-Geral da Polícia Militar de São Paulo, Roberval Ferreira
França, anunciou, em 8 de agosto, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo,
a criação de uma remuneração variável aos policiais que conseguissem reduzir o
crime e a letalidade. Outra iniciativa anunciada é a descentralização da
Corregedoria e a criação de 12 escritórios regionais na capital, Grande São Paulo
e interior. Porém, no dia 'seguinte, o comandante da PM disse que se confundiu
e trocou os conceitos de "letalidade policial" por "integridade policial",
ao explicar o índice que pretende criar.
De cima para
baixo
A dificuldade de combater o problema
ocorre, entre outros motivos, por causa da determinação para matar "que,
segundo os policiais, vem de cima para baixo. Essas coisas não ocorrem à revelia
do comando. Não há interesse em investigação porque há uma política de cima
para baixo - não conseguimos saber até que nível chega. Porém, conter as
estatísticas de criminalidade interessa a quem?", questiona Ivan Seixas.
"A cúpula sabe que existe grupo de
extermínio", garante o policial civil. "Eles sabem, mas não querem denunciar.
Não é para acabar, pois há interesses pecuniários e políticos. O comando manda
fazer, acontecer e foder. Mas, se der merda, o cara fica sozinho."
Em 2009, durante a posse do coronel Paulo Adriano
Lopes Telhada como comandante da Rota, o secretário de Segurança Pública
Antônio Ferreira Pinto disse: "É notório que ela [Rota] não estava sendo
empregada com toda a sua força [...] Em matéria de segurança pública, o
politicamente correto beira a hipocrisia". Em seu discurso, Ferreira Pinto
afirmou também que "agir com rigor no combate ao crime violento não
significa incursionar para o abuso, descambar para o mau combate, implantar a
barbárie". Para ele, a Rota "deve voltar ao lugar que ocupava com
destaque e eficiência no combate aos criminosos violentos e covardes".
Para o policial civil, essa fala é "uma apologia ao homicídio ou genocídio
social. Se entende que é para matar”.
Para se ter uma ideia da letalidade da
polícia paulista, entre 2006 e 2010 o índice de mortos pela PM foi de 5,5 para
cada 100 mil habitantes, mais do que o índice nos Estados Unidos. No mesmo período,
2.262 pessoas foram mortas após casos de "resistência seguida de
morte", os supostos confrontos com PMs. Nos EUA, no mesmo intervalo de
tempo, conforme dados do FBI, foram 1.963 "homicídios justificados",
o equivalente às resistências seguidas de morte registradas em São Paulo.
Esquadrão da
morte
Para o policial, a violência existente na
polícia paulista é pior do que a da época do esquadrão da morte da ditadura
militar. "Hoje é pior, porque naquela época era bem delimitado: polícia é
polícia e bandido é bandido. Hoje, a polícia é bandido, porque ela está
conjugada com o crime. Tomou uma desproporção." Além disso, acredita,
"o Esquadrão da Morte nunca acabou de fato. A Escuderie Le Cocq nunca acabou. Pode ter abrandado por um tempo,
mas a cultura sempre perdurou".
A associação criminosa de policiais para
executar pessoas tidas como marginais ficou notória no Rio de Janeiro a partir
de 1964. A Escuderie Detetive Le Cocq,
assim nomeada em homenagem ao assassinado detetive Milton Le Cocq, funcionava como
um dos esquadrões da morte da época, e foi bastante ativa dos estados do Rio de
Janeiro e Espírito Santo. No fim da década de 1960, um grupo de policiais de
São Paulo foi ao Rio para conhecer a experiência. Assim, formou-se o chamado Esquadrão
da Morte, responsável por mortes de supostos bandidos. O líder da organização era
o delegado Sérgio Paranhos Fleury, que depois foi utilizado pela ditadura
militar para torturar e matar os opositores ao regime.
Os esquadrões da morte deixaram um legado na
polícia brasileira durante as décadas seguintes. Um dos seus participantes,
Florisvaldo de Oliveira, apelidado de "Cabo Bruno" e acusado de mais de
50 assassinatos na década de 1980 na capital paulista, foi solto em agosto deste
ano, após 27 anos de prisão.
Para Ivan Seixas, os grupos de extermínio
de hoje e o esquadrão da morte da ditadura "são a mesma coisa, só que com
outro nome. Supostamente começa para matar bandidos e vira terrorismo de
Estado".
Em todo o Estado
Em entrevista à imprensa, o major
Marcelino Fernandes, representante da Corregedoria da Polícia Militar, nega a
existência de grupos de extermínio formados por policiais militares. O policial
da Polícia Civil rebate: "É indefensável o governo alegar essas coisas. Se
formos ver a Baixada Santista, que tem comando diferente do de São Paulo, mata
do mesmo jeito que a capital. E no interior também se mata. Os grupos de extermínio
são institucionalizados e regionalizados em cada batalhão, tem em todo o estado
de São Paulo. Cada batalhão tem um grupo de extermínio, tem seu
'caixa-dois'". E, dentro da corporação, afirma, há vários policiais que
querem denunciar e não conseguem.
Quando entrou para a polícia, o agente
tinha um ideal. "Não me via fazendo outra coisa, queria prestar um serviço
social, tinha o tesão da luta do bem contra o mal. Eu queria ajudar". No
entanto, ele acredita que em casos como o do PAO, por exemplo, "muitas
vezes o cara acaba cedendo. Se não; ele morre ou sofre bullying funcional. Mas,
é claro, tem quem fale não”.
A perseguição aos policiais
"rebeldes" ocorre, muitas vezes, no Tribunal Militar, conhecido por
sua capacidade de garantir a impunidade: "Hoje, ele estaria sendo usado
não só para garantir a impunidade como para punir quem não quer participar do
'jogo'. Os policiais dizem que quando o processo disciplinar é julgado, muitas vezes
o acusador e o julgador são a mesma pessoa", explica Ivan Seixas, do
Condepe.
Arredondar
B.O.
Se junto aos PMs a pressão é para
participar ou se omitir em relação aos casos de extermínio e corrupção, na
polícia civil a pressão é para "arredondar" o Boletim de Ocorrência,
explica o policial. Ou seja, tentar deixar o BO mais "redondo", para,
caso se consiga chegar ao culpado, ele esteja o mais "defensável"
possível. Entre as formas de se fazer isso, está a manipulação de testemunhas ou
sua não intimação.
Além disso, a polícia civil encontra-se desaparelhada
e sem capacidade de investigação. "Está engessada, militarizada. A
discricionariedade do delegado de polícia está convertida para a politicagem. É
raro ver o que aconteceu no caso do publicitário [após o assassinato do
publicitário Ricardo Aquino, por policiais militares, em 18 de julho, o
delegado responsável disse que houve falha na atuação dos policiais]: o
delegado pegar o flagrante. Isso é raro.
Geralmente, a PM sitia a situação. "Na
opinião de Ivan Seixas, a polícia civil está sem poder de investigação, porque
"há uma ordem verbal, às vezes muito objetiva: se for apontada a
existência de crimes envolvendo policiais civis ou militares, a investigação
deve ser 'arredondada' para não se abrir flanco para denúncias. E aí ficamos com
uma polícia que não investiga, uma polícia científica que não tem condições de
investigar. Ou seja: ficamos sem investigação", critica.
Outro fator que favorece a atuação dos
grupos de extermínio e enfraquece as investigações dos crimes cometidos por PM é
a militarização das subprefeituras de São Paulo. Hoje, 30 dos 31 subprefeitos de
São Paulo são coronéis da reserva da PM, sendo que todos eles foram indicados pelo
ex-comandante da corporação Álvaro Camilo.
A militarização das subprefeituras teve início
em 2008, na segunda gestão de Gilberto Kassab, com a indicação do coronel
Rubens Casado para a subprefeitura da Mooca. A PM ainda está presente em órgãos
como serviço funerário, ambulatorial e defesa civil. "É um absurdo essa
municipalização da PM. Acho que isso aumenta o prestígio e o apoio à violência.
Prestigia a segurança e medidas extremadas dos grupos de extermínio", aponta
o policial.
O atual subprefeito da Penha, coronel
Eduardo Félix de Oliveira é apontado como protetor do soldado Rodolfo da Silva
Vieira, acusado de integrar o grupo de extermínio "Os Highlanders".
Oliveira é amigo do pai do soldado, o capitão Paulo Roberto da Silva Vieira.
Perseguição
Apesar das dificuldades, há vários casos
de policiais que se negaram a participar de esquemas de matança e corrupção, Um
deles é o soldado Júlio César Lima dos Nascimento, do 42º Batalhão da PM, em
Osasco, assassinado em 4 de setembro de 2011, com 18 tiros, em frente a sua
casa, quando estava de folga e lavava o carro na rua. Segundo testemunhas, os assassinos
estavam dentro de um carro quando passaram atirando. Um deles, antes de atirar,
teria dito: "Isso é para você!".
Um mês antes de morrer, o soldado havia procurado
o Condepe e a polícia afirmando estar sendo perseguido por seus superiores
dentro do quartel onde trabalhava e que respondia a procedimentos internos.
Após as denúncias, o policial prometeu voltar para apresentar os nomes daqueles
que o ameaçavam e as provas criminais contra eles, porém não teve tempo.
Na denúncia que fez à polícia civil,
consta: "O declarante acrescenta que seus problemas na polícia militar
começaram a partir do dia 14/12/2006, ocasião em que após ter saído de serviço
da 3ª Cia do 36º BPMM, já de folga e à paisana, presenciou o desdobramento de
uma ocorrência de roubo e receptação de
carga de frios e de carne,
sendo que um dos presos em flagrante delito era um policial militar também da 3ª
Cia do 36º BPMM. O declarante esclarece que, por ocasião dos fatos, o Tenente
Coronel Henrique Dias era o Comandante do 36º BPMM".
Processos
disciplinares
De acordo com sua advogada, Sandra
Paulino, após a apreensão da carga roubada. Nascimento foi repreendido dentro
da delegacia. "Ele ouviu de um delegado o seguinte: 'Você fez muito mal, isso
não se faz'. Mas a conduta dele foi correta", afirma Sandra. Desde então,
Nascimento passou a ser perseguido, com processos disciplinares. Foi
transferido, dois anos depois, para o 42º Batalhão da PM, em Osasco. "Lá
ele estava bem, até que o Henrique Dias foi transferido para lá. Aí começaram a
abrir os procedimentos disciplinares, coisas bobas: que ele tinha quebrado a
bandeja de uma impressora, que atendeu mal uma pessoa ...", aponta Sandra
Paulino.
Após as denúncias, foi instaurado um
inquérito policial, em que o coronel Henrique Dias consta como "averiguado"
e o soldado Nascimento como vítima. "Ele foi depor e um mês depois foi assassinado".
Sandra conta que também sofreu inúmeras ameaças, tendo ficado, inclusive, sob proteção
do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do Governo Federal.
O caso está sendo investigado na delegacia
de homicídios de Cotia, mas Sandra reclama do fato de não terem permitido que
ela tivesse acesso à investigação. Desde então, ela vem denunciando o
assassinato do soldado Nascimento e pede que a investigação seja federalizada.
Tatiana
Merlino é jornalista.
tatianamerlino@terra.com.br
*Procurada para comentar a
existência de grupos de extermínio dentro da PM e as demais denúncias contidas
nesta matéria, a corporação não se manifestou até fechamento desta edição.
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