Por Mauro de Bias
Preso político da ditadura militar, militante do PCB, deputado constituinte, torturado, guerrilheiro. Carlos Marighella (1911-1969) tem um longo histórico na luta política no Brasil. Já teve a vida retratada duas vezes no cinema e, agora, contada no livro Marighella - O guerrilheiro que incendiou o mundo (Companhia das Letras, 2012), de Mario Magalhães.
(...) Magalhães se mostrou muito animado
com a receptividade do público e contou sobre o trabalho para a produção da
biografia. “Eu sou um repórter, estava com 39 anos e queria mergulhar em um
projeto sem as amarras próprias de tempo e espaço de uma redação”. Ele começou
o trabalho em 2003 e só terminou em 2012. Dos nove anos de trabalho, cinco
foram em dedicação exclusiva à obra. “Entrevistei 256 pessoas, trabalhei com
documentos da Rússia, da República Tcheca, dos Estados Unidos, do Paraguai e do
Brasil. No fim do livro há 2580 notas sobre fontes. Assim, o leitor sabe qual
foi a fonte de cada informação relevante sobre Marighella”, explicou o autor.
Guerrilha urbana no cinema
Por Cristina
Romanelli
“Para mim, ele era o tio Carlos,
brincalhão, que fazia paródias das músicas de Roberto Carlos com os nomes dos
nossos colegas. Ele sempre se escondia lá em casa. Uma vez, para explicar as
ausências, inventou que tinha ido à África e trazido várias cobras dentro de
caixas de sapato, para o Butantan, em São Paulo”, lembra a cineasta Isa
Grinspum Ferraz. O tio de Isa era Carlos Marighella, um dos principais líderes
da luta armada contra a ditadura militar no Brasil. Em agosto, estreou um filme
sobre ele, dirigido pela sobrinha.
A produção de “Marighella” enfrentou
alguns desafios logo de cara. A equipe pesquisou em Cuba, Moscou, Pequim e em
vários arquivos do Brasil, mas não achou nenhuma imagem em movimento do
militante. E as fotos – pouco mais de 20 – são todas do acervo da família. “Ele
não podia deixar rastro. Queimavam coisas dele depois que ele saía lá de casa.
Muitas pessoas que o conheceram mantiveram segredo sobre isso e só agora estão
falando. Talvez por eu ser sobrinha, consegui que se abrissem comigo”, conta a
diretora, que entrevistou ex-guerrilheiros e alguns parentes, como a viúva do
ativista, Clara Charf, e o filho, Carlinhos Marighella.
A pesquisa, que incluiu documentos da Agência Central de Inteligência
dos Estados Unidos (CIA) e gravações feitas em Cuba nos anos 1960, rendeu
descobertas interessantes. “Os documentos da CIA confirmam como a agência
estava envolvida na formação de torturadores na época. Mas em outros arquivos
descobrimos coisas que não conhecíamos, como um movimento de apoio na Europa.
Artistas como Joan Miró e Jean-Luc Godard enviaram dinheiro para Marighella”,
revela Isa.
Segundo Daniel Aarão Reis Filho,
historiador da Universidade Federal Fluminense, Marighella ganhou respeito
mundo afora, em grande parte pela militância na clandestinidade e pela
experiência no Partido Comunista Brasileiro. “Ele representava uma espécie de
síntese das virtudes então mais consideradas entre as esquerdas radicais. Tinha
audácia, decisão de partir para o enfrentamento, capacidade de trabalho prático
e comunicação fácil e fluente, inclusive com os jovens. Tudo isso misturado a
muita irreverência, um bom humor permanente e uma ironia cortante na crítica às
velhas tendências hegemônicas. Tais virtudes fizeram com que Marighella fosse
ao mesmo tempo respeitado, admirado e querido”, explica.
Esse documentário não é o primeiro sobre o
militante. Silvio Tendler já havia lançado na televisão, em 2010, “Marighella –
Retrato falado do guerrilheiro”. Mas Isa quis mostrar um recorte diferente:
“Perguntaram se eu não ia ouvir o outro lado dessa história, a direita
política. Eu não vou gastar tempo do meu filme para falar do ponto de vista que
todo mundo sabe. Estou mostrando o ponto de vista de quem conviveu com ele”.
Jorge Amado, para
Carlos Marighella.
“Chegas de longa
caminhada a este teu chão natal, território de tua infância e adolescência.
Vens
de um silêncio de dez anos, de um tempo vazio, quando houve espaço e eco apenas
para a mentira e a negação.
Quando
te vestiram de lama e sangue, quando pretenderam te marcar com o estigma da
infâmia, quando pretenderam enterrar na maldição tua memória e teu nome.
Para
que jamais se soubesse da verdade de tua gesta, da grandeza de tua saga, do
humanismo que comandou tua vida e tua morte.
Trancaram
as portas e as janelas para que ninguém percebesse tua sombra erguida, nem
ouvisse tua voz, teu grito de protesto.
Para
que não frutificasses, não pudesses ser alento e esperança.
Escreveram
a história pelo avesso para que ninguém soubesse que eras pão e não erva
daninha, que eras vozeiro de reivindicações e não pragas, que eras poeta do
povo e não algoz.
Cobriram-te
de infâmia para que tua presença se apagasse para sempre, nunca mais fosse
lembrada, desfeita em lama.
Esquartejaram
tua memória, salgaram teu nome em praça pública, foste proibido em teu país e
entre os teus.
Dez
anos inteiros, ferozes, de calúnia e ódio, na tentativa de extinguir tua
verdade, para que ninguém pudesse te enxergar.
De
nada adiantou tanta vileza, não passou de tentativa vã e malograda, pois aqui
estás inteiro e límpido.
Atravessaste
a interminável noite da mentira e do medo, da desrazão e da infâmia, e
desembarcas na aurora da Bahia, trazido por mãos de amor e de amizade.
Aqui
estás e todos te reconhecem como foste e serás para sempre: incorruptível
brasileiro, um moço baiano de riso jovial e coração ardente.
Aqui
estás entre teus amigos e entre os que são tua carne e teu sangue. Vieram te
receber e conversar contigo, ouvir tua voz e sentir teu coração.
Tua
luta foi contra a fome e a miséria, sonhavas com a fartura e a alegria, amavas
a vida, o ser humano, a liberdade.
Aqui
estás, plantado em teu chão e frutificarás. Não tiveste tempo para ter medo,
venceste o tempo do medo e do desespero.
Antonio
de Castro Alves, teu irmão de sonho, te adivinhou num verso: “era o porvir em
frente do passado”.
Estás
em tua casa, Carlos; tua memória restaurada, límpida e pura, feita de verdade e
amor.
Aqui
chegaste pela mão do povo. Mais vivo que nunca, Carlos”.
Texto escrito por Jorge Amado, amigo
de Marighella e seu companheiro na bancada comunista da Assembleia Nacional
Constituinte e na Câmara dos Deputados entre 1946 e 1948.
Lido por Fernando Santana em 10 de
dezembro de 1979 – Dia Universal dos Direitos do Homem – por ocasião do
sepultamento dos restos mortais de Marighella no cemitério das Quintas, em
Salvador.
Saiba
Mais Documentário:
Marighella - Retrato Falado do
Guerrilheiro
Carlos Marighella autor do “Manual do Guerrilheiro Urbano”, deputado
constituinte em 1946 e um dos principais dirigentes do Partido Comunista.
Cassado quando o partido foi posto na ilegalidade, Carlos Marighella foi um dos
dirigentes da luta armada contra a ditadura militar no Brasil. Em 66, ainda no
PC, propôs o caminho da guerrilha e por isso foi expulso. Fundou a Ação
Libertadora Nacional, primeiro movimento armado pós-64 do país. O documentário
sobre a vida desta figura polêmica da recente história do Brasil contará a
trajetória do professor Marighella, do deputado Marighella, do guerrilheiro
Marighella. Mas, acima de tudo, contará a história do homem Marighella.
Direção: Silvio Tendler
Áudio: Português
Duração: 56 minutos
Clara Sharf – A Companheira de Marighella
Documentário exibido pela TV Câmara- programa
Memória Política
Em 1946, uma jovem aeromoça de origem judaica
filiou-se ao Partido Comunista, assumindo a tarefa de assessorar a bancada
parlamentar do partido no Congresso Nacional. Conheceu, assim, o então deputado
Carlos Marighela, que viria a se tornar um líder revolucionário e o maior
inimigo da ditadura militar. Sua união com Marighela levou-a à vida
clandestina. Em 1969, o companheiro, responsável pela criação da primeira
organização de luta armada contra o regime, a Ação Libertadora Nacional (ALN),
foi morto por forças policiais. Ela exilou-se em Cuba, de onde só voltou em
1979, com a anistia. Concentrou-se na luta pelo resgate de mortos e
desaparecidos do regime militar e no movimento de mulheres. E escreveu seu nome
na história política do Brasil: Clara Sharf.
Direção: Ivan Santos
Áudio: Português
Duração: 59 minutos
Saiba Mais – Filme:
Marighella
Marighella
Líder
comunista, vítima de prisões e tortura, parlamentar, autor do mundialmente
traduzido “Manual do Guerrilheiro Urbano”, Carlos Marighella atuou nos
principais acontecimentos políticos do Brasil entre os anos 1930 e 1969, e foi
considerado o inimigo número 1 da ditadura militar brasileira. Mas quem foi
esse homem, mulato baiano, poeta, sedutor, amante de samba, praia e futebol,
cujo nome foi por décadas impublicável? O filme, dirigido por sua sobrinha, é
uma construção histórica e afetiva desse homem que dedicou sua vida a pensar o
Brasil e a transformá-lo através de sua ação.
Direção: Isa Grinspum
Ferraz
Áudio: Português
Duração: 97 minutos
Batismo de Sangue
São Paulo, fim dos anos 60. O convento
dos frades dominicanos torna-se uma trincheira de resistência à ditadura
militar que governa o Brasil. Movidos por ideais cristãos, os freis Tito (Caio
Blat), Betto (Daniel de Oliveira), Oswaldo (Ângelo Antônio), Fernando (Léo
Quintão) e Ivo (Odilon Esteves) passam a apoiar o grupo guerrilheiro Ação
Libertadora Nacional (ALN), comandado por Carlos Marighella (Marku Ribas). Eles
logo passam a ser vigiados pela polícia e posteriormente são presos,
passando por terríveis torturas.
Direção: Helvécio Ratton
Ano: 2006
Duração: 112 minutos
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