“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Guerrilheiro que incendiou o mundo

Jornalista lança biografia sobre o militante político Carlos Marighella, em Porto Alegre, Pelotas, Rio de Janeiro, Fortaleza e Ouro Preto. Foram nove anos de pesquisas para concluir a obra
Por Mauro de Bias
     Preso político da ditadura militar, militante do PCB, deputado constituinte, torturado, guerrilheiro. Carlos Marighella (1911-1969) tem um longo histórico na luta política no Brasil. Já teve a vida retratada duas vezes no cinema e, agora, contada no livro Marighella - O guerrilheiro que incendiou o mundo (Companhia das Letras, 2012), de Mario Magalhães.
    (...) Magalhães se mostrou muito animado com a receptividade do público e contou sobre o trabalho para a produção da biografia. “Eu sou um repórter, estava com 39 anos e queria mergulhar em um projeto sem as amarras próprias de tempo e espaço de uma redação”. Ele começou o trabalho em 2003 e só terminou em 2012. Dos nove anos de trabalho, cinco foram em dedicação exclusiva à obra. “Entrevistei 256 pessoas, trabalhei com documentos da Rússia, da República Tcheca, dos Estados Unidos, do Paraguai e do Brasil. No fim do livro há 2580 notas sobre fontes. Assim, o leitor sabe qual foi a fonte de cada informação relevante sobre Marighella”, explicou o autor.

Guerrilha urbana no cinema
Por Cristina Romanelli
     “Para mim, ele era o tio Carlos, brincalhão, que fazia paródias das músicas de Roberto Carlos com os nomes dos nossos colegas. Ele sempre se escondia lá em casa. Uma vez, para explicar as ausências, inventou que tinha ido à África e trazido várias cobras dentro de caixas de sapato, para o Butantan, em São Paulo”, lembra a cineasta Isa Grinspum Ferraz. O tio de Isa era Carlos Marighella, um dos principais líderes da luta armada contra a ditadura militar no Brasil. Em agosto, estreou um filme sobre ele, dirigido pela sobrinha.
     A produção de “Marighella” enfrentou alguns desafios logo de cara. A equipe pesquisou em Cuba, Moscou, Pequim e em vários arquivos do Brasil, mas não achou nenhuma imagem em movimento do militante. E as fotos – pouco mais de 20 – são todas do acervo da família. “Ele não podia deixar rastro. Queimavam coisas dele depois que ele saía lá de casa. Muitas pessoas que o conheceram mantiveram segredo sobre isso e só agora estão falando. Talvez por eu ser sobrinha, consegui que se abrissem comigo”, conta a diretora, que entrevistou ex-guerrilheiros e alguns parentes, como a viúva do ativista, Clara Charf, e o filho, Carlinhos Marighella.
     A pesquisa, que incluiu documentos da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) e gravações feitas em Cuba nos anos 1960, rendeu descobertas interessantes. “Os documentos da CIA confirmam como a agência estava envolvida na formação de torturadores na época. Mas em outros arquivos descobrimos coisas que não conhecíamos, como um movimento de apoio na Europa. Artistas como Joan Miró e Jean-Luc Godard enviaram dinheiro para Marighella”, revela Isa.
     Segundo Daniel Aarão Reis Filho, historiador da Universidade Federal Fluminense, Marighella ganhou respeito mundo afora, em grande parte pela militância na clandestinidade e pela experiência no Partido Comunista Brasileiro. “Ele representava uma espécie de síntese das virtudes então mais consideradas entre as esquerdas radicais. Tinha audácia, decisão de partir para o enfrentamento, capacidade de trabalho prático e comunicação fácil e fluente, inclusive com os jovens. Tudo isso misturado a muita irreverência, um bom humor permanente e uma ironia cortante na crítica às velhas tendências hegemônicas. Tais virtudes fizeram com que Marighella fosse ao mesmo tempo respeitado, admirado e querido”, explica.
     Esse documentário não é o primeiro sobre o militante. Silvio Tendler já havia lançado na televisão, em 2010, “Marighella – Retrato falado do guerrilheiro”. Mas Isa quis mostrar um recorte diferente: “Perguntaram se eu não ia ouvir o outro lado dessa história, a direita política. Eu não vou gastar tempo do meu filme para falar do ponto de vista que todo mundo sabe. Estou mostrando o ponto de vista de quem conviveu com ele”.

Jorge Amado, para Carlos Marighella.

     “Chegas de longa caminhada a este teu chão natal, território de tua infância e adolescência.
     Vens de um silêncio de dez anos, de um tempo vazio, quando houve espaço e eco apenas para a mentira e a negação.
     Quando te vestiram de lama e sangue, quando pretenderam te marcar com o estigma da infâmia, quando pretenderam enterrar na maldição tua memória e teu nome.
     Para que jamais se soubesse da verdade de tua gesta, da grandeza de tua saga, do humanismo que comandou tua vida e tua morte.
     Trancaram as portas e as janelas para que ninguém percebesse tua sombra erguida, nem ouvisse tua voz, teu grito de protesto.
     Para que não frutificasses, não pudesses ser alento e esperança.
     Escreveram a história pelo avesso para que ninguém soubesse que eras pão e não erva daninha, que eras vozeiro de reivindicações e não pragas, que eras poeta do povo e não algoz.
     Cobriram-te de infâmia para que tua presença se apagasse para sempre, nunca mais fosse lembrada, desfeita em lama.
     Esquartejaram tua memória, salgaram teu nome em praça pública, foste proibido em teu país e entre os teus.
     Dez anos inteiros, ferozes, de calúnia e ódio, na tentativa de extinguir tua verdade, para que ninguém pudesse te enxergar.
     De nada adiantou tanta vileza, não passou de tentativa vã e malograda, pois aqui estás inteiro e límpido.
     Atravessaste a interminável noite da mentira e do medo, da desrazão e da infâmia, e desembarcas na aurora da Bahia, trazido por mãos de amor e de amizade.
     Aqui estás e todos te reconhecem como foste e serás para sempre: incorruptível brasileiro, um moço baiano de riso jovial e coração ardente.
     Aqui estás entre teus amigos e entre os que são tua carne e teu sangue. Vieram te receber e conversar contigo, ouvir tua voz e sentir teu coração.
     Tua luta foi contra a fome e a miséria, sonhavas com a fartura e a alegria, amavas a vida, o ser humano, a liberdade.
     Aqui estás, plantado em teu chão e frutificarás. Não tiveste tempo para ter medo, venceste o tempo do medo e do desespero.
     Antonio de Castro Alves, teu irmão de sonho, te adivinhou num verso: “era o porvir em frente do passado”.
     Estás em tua casa, Carlos; tua memória restaurada, límpida e pura, feita de verdade e amor.
     Aqui chegaste pela mão do povo. Mais vivo que nunca, Carlos”.

Texto escrito por Jorge Amado, amigo de Marighella e seu companheiro na bancada comunista da Assembleia Nacional Constituinte e na Câmara dos Deputados entre 1946 e 1948.
Lido por Fernando Santana em 10 de dezembro de 1979 – Dia Universal dos Direitos do Homem – por ocasião do sepultamento dos restos mortais de Marighella no cemitério das Quintas, em Salvador.

Saiba Mais Documentário:
Marighella - Retrato Falado do Guerrilheiro
Carlos Marighella  autor do “Manual do Guerrilheiro Urbano”, deputado constituinte em 1946 e um dos principais dirigentes do Partido Comunista. Cassado quando o partido foi posto na ilegalidade, Carlos Marighella foi um dos dirigentes da luta armada contra a ditadura militar no Brasil. Em 66, ainda no PC, propôs o caminho da guerrilha e por isso foi expulso. Fundou a Ação Libertadora Nacional, primeiro movimento armado pós-64 do país. O documentário sobre a vida desta figura polêmica da recente história do Brasil contará a trajetória do professor Marighella, do deputado Marighella, do guerrilheiro Marighella. Mas, acima de tudo, contará a história do homem Marighella.
Direção: Silvio Tendler
Ano: 2010
Áudio: Português
Duração: 56 minutos

Clara Sharf – A Companheira de Marighella
Documentário exibido pela TV Câmara- programa Memória Política
Em 1946, uma jovem aeromoça de origem judaica filiou-se ao Partido Comunista, assumindo a tarefa de assessorar a bancada parlamentar do partido no Congresso Nacional. Conheceu, assim, o então deputado Carlos Marighela, que viria a se tornar um líder revolucionário e o maior inimigo da ditadura militar. Sua união com Marighela levou-a à vida clandestina. Em 1969, o companheiro, responsável pela criação da primeira organização de luta armada contra o regime, a Ação Libertadora Nacional (ALN), foi morto por forças policiais. Ela exilou-se em Cuba, de onde só voltou em 1979, com a anistia. Concentrou-se na luta pelo resgate de mortos e desaparecidos do regime militar e no movimento de mulheres. E escreveu seu nome na história política do Brasil: Clara Sharf.
Direção: Ivan Santos
Ano: 2003
Áudio: Português
Duração: 59 minutos

Saiba Mais – Filme:
Marighella
Líder comunista, vítima de prisões e tortura, parlamentar, autor do mundialmente traduzido “Manual do Guerrilheiro Urbano”, Carlos Marighella atuou nos principais acontecimentos políticos do Brasil entre os anos 1930 e 1969, e foi considerado o inimigo número 1 da ditadura militar brasileira. Mas quem foi esse homem, mulato baiano, poeta, sedutor, amante de samba, praia e futebol, cujo nome foi por décadas impublicável? O filme, dirigido por sua sobrinha, é uma construção histórica e afetiva desse homem que dedicou sua vida a pensar o Brasil e a transformá-lo através de sua ação.
Direção: Isa Grinspum Ferraz
Ano: 2012
Áudio: Português
Duração: 97 minutos


Batismo de Sangue
São Paulo, fim dos anos 60. O convento dos frades dominicanos torna-se uma trincheira de resistência à ditadura militar que governa o Brasil. Movidos por ideais cristãos, os freis Tito (Caio Blat), Betto (Daniel de Oliveira), Oswaldo (Ângelo Antônio), Fernando (Léo Quintão) e Ivo (Odilon Esteves) passam a apoiar o grupo guerrilheiro Ação Libertadora Nacional (ALN), comandado por Carlos Marighella (Marku Ribas). Eles logo passam a ser vigiados pela polícia e posteriormente são presos,  passando por terríveis torturas.
Direção: Helvécio Ratton
Ano: 2006
Áudio: Português
Duração: 112 minutos


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