“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Presidentes da 1ª República - Arthur Bernardes - Washington Luís

O homem forte do Catete
Governando em período de grande instabilidade política, Arthur Bernardes conduziu o país sob estado de sítio.
Fabiano Vilaça dos Santos
     Ele era "alto, esguio, de nariz aquilino, testa larga". Seus "olhos castanhos, pequenos e irrequie­tos lhe boiavam no rosto com­prido", segundo a descrição de um contemporâneo. Mineiro, percorreu firme e paciente o ca­minho para a Presidência da Re­pública. Mas chegou em mo­mento político extremamente agitado. Era a década de 1920, tempo do movimento tenentista, da Revolução Libertadora no Rio Grande do Sul (1923) e da Revolução Paulista de 1924. E de medidas drásticas. Não foi à toa que o país permaneceu em esta­do de sítio - suspensão de garan­tias constitucionais em nome da ordem pública - durante quase todo o mandato presidencial (1922-1926).
     Arthur da Silva Bernardes nas­ceu em Viçosa, na Zona da Mata mineira, em 8 de agosto de 1875. Quarto dos oito filhos do portu­guês Antônio da Silva Bernardes, advogado provisionado (sem di­ploma), e de Maria Aniceta Pinto Bernardes, teve uma infância mo­desta. Em 1887, foi matriculado no tradicional Colégio Caraça, de onde saiu dois anos depois por falta de recursos. Com 14 anos, foi trabalhar na firma Pena & Graça, que negociava café e, mais tarde, na Casa Adriano Telles & Cia., co­mo guarda-livros (contador).
     Voltou a estudar no Externato do Ginásio Mineiro, em Ouro Preto, colaborando no jornal Aca­demia. Em 1896, matriculou-se como ouvinte na Faculdade Livre de Direito de Minas Gerais, fun­dada em 1892. No quarto ano do curso, Bernardes se transferiu pa­ra a Faculdade de Direito de São Paulo. Para se manter, trabalhou como revisor no jornal Correio Paulistano, estafeta (mensageiro a cavalo) dos Correios e professor de português e latim.
     Formado em 1900, voltou para Viçosa e abriu um escritório. Foi quando uma situação insólita se instalou em sua casa. Nessa épo­ca, seu pai já era promotor da co­marca e toda vez que Bernardes atuava como advogado de defesa os dois ficavam em lados opostos. Para acabar com o impasse, Antô­nio Bernardes se exonerou e pas­sou a trabalhar com o filho.
     Em 15 de julho de 1903, casou-se com Clélia Vaz de Melo, com quem teve oito filhos. O enlace foi a porta de entrada de Bernardes na política. Seu sogro, o senador Carlos Vaz de Melo (1842-1904), era homem influente em Viçosa. E, ao contrário do que se poderia pensar, logo após sua morte a car­reira do genro deu um salto. Eleito presidente da Câmara Municipal, em 1905, recusou o cargo prefe­rindo trabalhar como advogado, mas o assumiu no ano seguinte. Deputado estadual em 1907 e fe­deral em 1909, pelo Partido Republicano Mineiro (PRM), seu prestígio político se consolidou ao se aproximar das principais oligarquias do país que apoiavam a candidatura do marechal Hermes da Fonseca à Presidência.
     Depois de ocupar a Secretaria de Finanças de Minas e de exercer mais um mandato de deputado estadual, Arthur Bernardes deu um importante passo na carreira: chegou à presidência de seu esta­do (1918-1922). Em um banque­te, fez um discurso defendendo que "a nenhum estado deve ser lí­cito sonhar com a hegemonia po­lítica na Federação", e o café, "termômetro de nossa situação eco­nômica". Uma de suas principais realizações foi a criação, em 1922, da Escola Superior de Agricultura e Veterinária, embrião da Univer­sidade Federal de Viçosa. Nessa época, deu provas do forte nacio­nalismo que marcaria sua futura gestão no Catete, ao recusar um contrato com a empresa Itabira Iron para exportar ferro do vale do rio Doce.
     Os anos de 1921 e 1922 foram de acirrada disputa pela sucessão de Epitácio Pessoa (1919-1922). Inicialmente, o paraibano foi con­tra a ideia de Minas eleger mais um presidente, pois desejava que seu sucessor viesse de algum esta­do do Norte. Para obter o apoio desta região à candidatura de Arthur Bernardes, segundo a his­toriadora Cláudia Viscardi, as oli­garquias mineiras se comprome­teram com a continuidade das obras iniciadas pelo "Pitaço" e es­peraram o apoio dos gaúchos e do Rio de Janeiro. Mas a corrida pre­sidencial exigiria fôlego. Enquan­to Epitácio e os paulistas aderiram ao nome de Bernardes, Rio Gran­de do Sul, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro apostaram em Nilo Peçanha, que encabeçou a chapa da "Reação Republicana". Para in­crementar a disputa, entrou em campo um terceiro concorrente: Hermes da Fonseca. Eleito presi­dente do Clube Militar, o mare­chal foi apontado como mentor de um estratagema para minar a indicação do mineiro: o episódio das "cartas falsas", publicadas no jornal Correio da Manhã - pró-Nilo -, em 1921.
     Uma das cinco missivas "assi­nadas" por Arthur Bernardes e enviada a Raul Soares (1877-1922), então presidente de Mi­nas, dizia: "estou informado do ridículo e acintoso banquete da­do pelo Hermes, esse sargentão sem compostura, aos seus apaniguados (...) Espero que use com toda energia, de acordo com as minhas últimas instruções, pois essa canalha precisa de uma re­primenda para entrar na discipli­na..." O objetivo das "cartas fal­sas" era indispor os militares com Bernardes. O clima entre a oficia­lidade, em plena agitação tenentista, favorecia o plano. Além dis­so, o próprio Hermes da Fonseca buscava apoio entre alguns setores da política mineira para sua candidatura, o que reforçou as suspeitas da autoria das cartas.
     A imprensa não perdeu a oportunidade de satirizar a dispu­ta presidencial. Os partidários de Nilo Peçanha pularam o Carna­val de 1922 cantarolando a marchinha "Ai, Seu Mé!", de Freire Júnior (1881-1956) e Luiz Nunes Sampaio (1886-1952), o Careca. A letra fazia referência a dois apelidos de Bernardes, "Seu Mé" e "Rolinha": Ai Seu Mé/ Lá no Palácio das Águias, olé!/ Não hás de por o pé.../ O Zé Povo quer a goiabada campista./ Rolinha desista/ Abaixa esta crista.../Embora se faça uma bernarda a cacete,/ Não vais ao Catete! Não vais ao Catete!
     Mas, apesar de toda a oposi­ção, a adesão de São Paulo garan­tiu a vitória do "Seu Mé" por 466.877 votos. Para vice, foi esco­lhido o maranhense Urbano San­tos (1859-1922), que morreu dois meses depois de eleito, sendo substituído, em novo pleito, pelo pernambucano Estácio de Albu­querque Coimbra (1872-1937). Bernardes tomou posse em esta­do de sítio devido ao Levante dos Dezoito do Forte, no final do governo de Epitácio, e percebeu que para conter as oposições e manter a or­dem teria que ser enérgico.  Seus métodos, considerados violentos e arbitrários pelos adversários, deram origem ao "bernardismo".  Exemplo disso foi o envio de políticos, líderes ope­rários, militares re­beldes e todos que conspiravam contra a ordem pública para a colónia agrícola de Clevelândia, criada em 1922 no Pará.
     Os momentos de turbulência não tardaram. Movimentos ex­plodiram pelo país expressando ora a cisão entre as oligarquias dos estados ora a per­da de apoio do governo federal. No primeiro caso está a disputa en­tre grupos políti­cos gaúchos - a Revolução Libertadora de 1923 -, em que o estancieiro Assis Brasil (1857-1938) se opôs ao governo estabelecido de Borges de Medeiros (1863-1961). O go­verno federal interveio e a con­tenda terminou em dezembro com a assinatura do Tratado de Pedras Altas.
     Quando os ânimos pareciam serenar, os paulistas deram voz à sua insatisfação. Presidente e cafeicultores - aliados na campanha - andavam às turras por causa dos rumos da política em relação ao café (o governo segurava as expor­tações para especular com o preço e deixava os pro­dutores sem capi­tal para reinvestir na lavoura). Por outro lado, a ma­nifestação do "ber­nardismo" fez com que militares de São Paulo articu­lassem um movi­mento armado que começou no dia 5 de julho de 1924. Sob o co­mando do general Isidoro Dias Lopes (1865-1949), a capital do estado foi tomada, le­vando o governo federal a decretar estado de sítio e ordenar o bom­bardeio, inclusive aéreo, da cidade. Os paulistas exigiam as reformas propostas pelo movimento tenentista: voto secreto, ampliação do ensino primário obrigatório e limitação do poder do Executivo, em clara oposição ao "bernardismo". O episódio de 1924 foi a cha­ve para outro importante movi­mento tenentista: a Coluna Pres­tes, que teve como principais líde­res Luiz Carlos Prestes (1898-1990) e Miguel Costa (1885-1959). De 1925 a 1927, a Coluna - formada por militares rebeldes - percorreu o país em aberta oposi­ção ao governo.
     Se no plano interno a ordem foi garantida por meio de medi­das repressivas, a política externa de Arthur Bernardes não foi me­nos incisiva. Em 1926, após a bem-sucedida missão de Afrânio de Melo Franco (1870-1943) na V Conferência Pan-Americana, no Chile, quando foi discutido um programa de desarmamento dos países da América do Sul, o presi­dente encarregou o conterrâneo de chefiar a delegação brasileira na Liga das Nações, da qual o país se retirou por não concordar com a entrada da Alemanha.
     Ao deixar o Catete em 1926, sob protestos e acusações de au­toritarismo, "Rolinha" assumiria um lugar no Senado no ano se­guinte. Mas preferiu bater asas rumo à Europa para respirar ares menos carregados e só tomou posse em 1929. Na volta, encon­trou o país em ebulição. O des­contentamento político reinava e um clima de revolução pairava sobre o governo de Washington Luís (1926-1930). Setores da po­lítica mineira estavam dispostos a aderir ao movimento que vinha do Sul, comandado por Getúlio Vargas (1882-1954). Bernardes o apoiou acreditando que o líder gaúcho garantiria a ordem públi­ca e conduziria o país à legalida­de convocando uma constituinte logo após chegar ao poder.
     Suas expectativas foram frus­tradas, mas o ex-presidente conti­nuou defendendo a legalidade aliando-se às forças mineiras na Revolução de 1932. Por causa dis­so, tornou-se uma pedra no sapa­to do novo governo que tentou afastá-lo do cenário político nomeando-o para uma embaixada. A oferta foi recusada e Bernardes passou a sofrer perseguições e ameaças de devassa nas contas de sua gestão. Acabou forçado a par­tir para o exílio, em Lisboa. No momento do embarque, seus ini­migos políticos ainda atentaram contra sua vida, mas o tiro atin­giu, sem gravidade, Arthur Ber­nardes Filho. O episódio nunca foi devidamente esclarecido.
     O afastamento durou até a abertura dos trabalhos para a ela­boração da Carta de 1934, quan­do foi eleito deputado consti­tuinte. Com o golpe que inaugu­rou o Estado Novo, em 1937, foi cassado e ficou fora da vida pú­blica até o fim da ditadura de Vargas, em 1945. No ano seguin­te, elegeu-se deputado constituinte. Ainda foi suplente no Parlamento em 1950, e, quatro anos depois, deputado federal.
     Na manhã do dia 23 de março de 1955, uma quarta-feira, Arthur Bernardes sofreu um infarto. Ti­nha 79 anos e estava em pleno exer­cício do mandato de deputado. Faleceu pouco antes das 15 horas e foi enterrado no Rio de Janeiro com honras de chefe de Estado. Em sua conturbada passagem pe­la Presidência, desmentiu a profe­cia de Epitácio Pessoa (citada pela historiadora Isabel Lustosa) lan­çada em maio de 1922: "ele não aguentará 24 horas no Catete".
Fabiano Vilaça dos Santos é doutorando em História Social na USP e pesquisador em Nossa História.
Fonte: Revista Nossa História - Ano III nº 36 – Outubro 2006


O paulista de Macaé
Legítimo representante da oligarquia paulista, o fluminense Washington Luís enfrentou a Revolução de 1930 e criou o lema "Governar é abrir estradas"
Nívia Pombo
     Sexta-feira, 24 de outubro de 1930. Washington Luís vivia suas últi­mas horas como presidente da República. Pelos belos salões do Palácio Guanabara, caminhava impaciente de um lado para outro, retrucando aos poucos amigos que lhe restara: "Eu não renuncio!... Só aos pedaços sairei daqui!...". Convencido de que teria o mesmo apoio popular, quando de sua elei­ção em 1926, nem imaginava que, do lado de fora, uma multidão in­dócil dava vivas à "revolução", aguardando ordens para bombar­dear a sede do governo. Seu man­dato estava sendo prematuramen­te interrompido, assinalando o fim da era "café com leite".
     Washington Luís Pereira de Souza nasceu em Macaé, cidade do litoral norte do Rio de Janeiro, em 26 de outubro de 1869. São escassos os registros sobre sua in­fância. Primogênito dos quatro filhos do tenente-coronel Joa­quim Luís Pereira de Souza e de Florinda Ludgera de Sá Pinto Ma­galhães, pertencia a uma família de proprietários de engenhos de açúcar que gozava de grande prestígio político no Império.
     Prestígio que não impediu que a família passasse por dificuldades financeiras. Antes da abolição da escravidão em maio de 1888, seu pai libertou todos os seus escravos. Apesar de prometerem a permanência até o fim da colheita, os al­forriados abandonaram a proprie­dade, deixando a família em ruína. A esta altura "Chinton", como era chamado pelos familiares, já havia passado pelos colégios Pe­dro II e Augusto, no Rio de Janei­ro. Em 1889, ingressou na Facul­dade de Direito de São Paulo, mas se transferiu para a Faculdade de Direito de Recife, com o intuito de terminar o curso em três anos. A falta de recursos da família preo­cupava Washington e seus irmãos, como mostra a carta de seu irmão Lafaiete, de 8 de outubro de 1888: "Papai disse que o Chico não estu­da mais, nem este ano, nem outro, porque não há meios".
     "Chinton" não foi um estudan­te exemplar. Boêmio, preferia os passeios pela capital pernambuca­na a dedicar-se às leituras que o curso exigia. Era perito em jogar bilboquê, brincadeira que pertur­bava a concentração de Otávio Costa, seu colega de quarto. Às vés­peras das provas, decorava a matéria de madrugada e, assim, conseguia boas notas. Em outubro de 1891, voltou a São Paulo para prestar os exames finais, bacharelando-se no mesmo ano. Com a ajuda de familiares, foi nomeado promotor de Barra Mansa, no Rio de Janeiro, mas, insatisfeito com o salário, em 1893 se transferiu para Batatais, São Paulo, onde abriu um escritório de advocacia.
     Frequentava bailes carnavales­cos, teatro e tinha um gosto espe­cial por óperas, especialmente pelas composições do italiano Giuseppe Verdi (1813 -1901). Mas não só a música italiana acalenta­va o seu coração: desde jovem, mostrava fraqueza com as italia­nas. Segundo João Lima, autor de Como vivem os homens que gover­naram o Brasil, nos tempos de fa­culdade, "Chinton" teve "os senti­dos perturbados por uma atriz ita­liana, de nome Gisela, rapariga de rara sedução". Em maio de 1928, já no governo, um caso com uma marquesa italiana quase acabou em tragédia: após um jantar, a jo­vem, por ciúme, teria atirado em Washington, ferindo-o no ventre. A imprensa tentou abafar o caso, informando que o presidente ha­via sido internado às pressas para a retirada do apêndice. Mas os ru­mores aumentaram, quando, dias depois, a moça se suicidou.
     Fazia o tipo sportsman: partici­pava de ralis automobilísticos em Santos e no Vale do Paraíba e, em 1919, fez seu batismo aéreo, levan­tando voo num avião Sopwith, em Guarulhos. Nas horas de folga era historiador. Publi­cou dois estudos a partir de suas pes­quisas no Arquivo Público de São Paulo: Contribuições para a história da capitania de São Paulo. Gover­no Rodrigo César Meneses (1904) e Testamento de João Ramalho (1905). Jovem, já era tido como elegan­te e inteligente, só faltava mesmo o respeito no círculo político pau­lista. Isso ele conseguiu casando-­se, em 4 de março de 1900, com a filha dos barões de Piracicaba, So­fia Paes de Barros (1877-1934). A moça também apreciava música clássica e canto.  Tiveram quatro filhos: Florinda Maria (1901), Rafael Luís (1902), Caio Luís (1905) e Vítor Luís (1907).
     Membro do Partido Republi­cano Paulista, sua carreira políti­ca teve início em 1904, ao ser eleito deputado estadual. Dois anos depois, com a ajuda da so­gra, foi nomeado para a Secre­taria de Justiça com a missão de reformar as polícias civil e mili­tar. Entre outras medidas, estabe­leceu a obrigatoriedade do diploma de advogado para os delega­dos de polícia. Nesse período, ao colocar detentos para trabalhar na reconstrução da via São Paulo-Santos, cunhou o lema: "Governar é abrir estradas".
     Após deixar a Secretaria de Jus­tiça, em maio de 1912, foi eleito deputado estadual e, por dois man­datos consecutivos, prefeito de São Paulo. Em 1919, se candidatou ao governo do estado. Eleito, cum­priu as promessas de campanha: manteve a velha política de valori zação do café e construiu cerca de 1.326 quilómetros de estradas. Na área cultural, fundou o Museu Histórico Republicano de Itu (1923) e incentivou projetos histó­ricos sobre o passado paulista.
     Sua indicação para a Presidên­cia da República resultou, mais uma vez, de um consenso entre Minas Gerais e São Paulo. No en­tanto, desde a eleição de Epitácio Pessoa, em 1919, representantes de outros estados exigiam uma maior democratização do processo, queixando-se da alternância "café com leite" na Presidência. À revelia dessas discussões e sem concorren­tes, foi eleito com 688.528 votos. Ao tomar posse em 15 de novem­bro de 1926, foi recebido calorosa­mente por uma multidão no Rio de Janeiro. No mesmo dia, mon­tou o novo ministério, escolhendo nomes que não ameaçassem o po­der presidencial. Ironia do destino, entre os indicados figurava Getúlio Vargas para a pasta da Fazenda.
     Uma das primeiras medidas do novo governo foi a aprovação da reforma monetária, proposta por Júlio Prestes de Albuquerque. A intenção era fixar a taxa de câmbio e proteger a indústria nacional. Previa-se até a implanta­ção de uma nova moeda, o cruzei­ro. Inicialmente, o governo de "Chinton" parecia ser um refrigé­rio para as almas brasileiras: as me­didas de exceção, implementadas por Arthur Bernardes, ao poucos eram suspensas. Libertou presos políticos, desativou presídios como o da Clevelândia, e, em janeiro de 1927, autorizou a legalização do Partido Comunista do Brasil (PCB).
     Mas a abertura tinha lá as suas limitações. Os pedidos de anistia, como aos envolvidos no movi­mento de 1922, no Forte Copaca­bana, foram negados. A polícia secreta acompanhava de perto a movimentação da Coluna Pres­tes, que neste momento se en­contrava exilada na Bolívia. Fo­cos de oposição foram silencia­dos com a "Lei Celerada", que res­tabeleceu a censura à imprensa e recolocou o PCB na ilegalidade. Em São Paulo, com o apoio dos tenentes, foi criado o Partido Democrático (PD), que defendia o voto secreto e a moralização do processo eleitoral.
     Instabilidade interna e externa. Em 1929, a crise econômica defla­grada com a quebra da Bolsa de Nova York provocou um forte abalo na economia brasilei­ra. Desesperados, os cafeicultores exigiram que o governo federal comprasse a produção excedente. Washington Luís negou, pois te­mia a desvalorização da moeda. Tudo que conseguiu foi angariar novos inimigos. Por intermédio do Instituto Paulista de Defesa do Café, os oligarcas ameaçaram: "O lema é a lavoura, hoje com o go­verno. Se não formos atendidos, amanhã será [...] a lavoura contra o governo". O crack da Bolsa im­pediu também a implementação do cruzeiro. A crise serviu de ins­piração para o compositor Eduardo, autor de "É sim sinhô": "Ele é paulista? É sim senhor. / Falsificado? É sim senhor. [...] / Ele é estradeiro? É sim senhor. [...] / Mas o cruzeiro? É sim se­nhor. / Ovo gorado? É sim senhor..."
     Por fim aconteceu uma crise política provocada pelas discor­dâncias na escolha do sucessor de Washington Luís. Contrariando os mineiros, que pretendiam in­dicar o vice-presidente Fernando de Mello Vianna, "Chinton" op­tou por apoiar o candidato pau­lista, Júlio Prestes de Albuquerque. Irritado, o presidente de Minas, Antônio Carlos Ribeiro, procurou alianças com Getúlio Vargas. Apesar dos apelos de Washington Luís para conven­cer os líderes gaúcho e mineiro a desistirem da empreitada, em se­tembro de 1929, a Aliança Liberal lançou a candidatura de Getúlio, tendo como vice o presidente da Paraíba, João Pessoa.
     Washington Luís jogou duro: ordenou a execução das dívidas de Minas e da Paraíba com o Banco do Brasil e impediu que os mineiros pedissem empréstimos no exterior. Foi acusado também de fomentar conflitos locais nos dois estados com o objetivo de enfraquecer os governos. O can­didato oficial acabou levando vantagem: Júlio Prestes recebeu 1.115.377 votos contra os 782.663 de Getúlio Vargas.
     Acusado pela oposição de fraudar as eleições, Washington Luís sofreria ainda outro golpe. No Uruguai, um desastre aéreo, em maio de 1929, revelou que dois brasileiros tinham ido à Ar­gentina pedir o apoio de Luiz Carlos Prestes para depor o presi­dente. Um deles, Antônio de Siqueira Campos, morreu no de­sastre. O clima de conspiração aumentou, quando João Pessoa, presidente da Paraíba e candida­to derrotado, foi assassinado em Recife, no dia 26 de julho. O epi­sódio fortaleceu a Aliança Liberal, que, além das denúncias de fraude eleitoral, passou a cul­par o presidente pelo crime.
     O país ficou em polvorosa. Forças militares se levantaram no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais e na Paraíba. Na capital, o povo incendiou jornais favorá­veis ao governo. Tropas gaúchas lideradas por Vargas e pelo gene­ral Góes Monteiro marchavam para um confronto com os pau­listas. Em poucos dias foram derrubados os governos do Espírito Santo, Santa Catarina e Paraná. Nas regiões Norte e Nordeste, só escaparam o Pará e a Bahia. Infle­xível, Washington Luís não acre­ditava que Getúlio Vargas, seu amigo íntimo, o único que podia entrar fumando em seu gabinete, o estivesse traindo.
     Na manhã do dia 24 de outu­bro, uma esquadrilha sobrevoou a capital lançando panfletos infor­mando a queda do presidente. No final da tarde, após a visita do car­deal d. Sebastião Leme, ele aceitou se entregar como prisioneiro e não como renunciado. Conduzi­do ao Forte Copacabana, ficou preso até 21 de novembro, dia que embarcou com sua família rumo à Europa. O exílio durou até 1947, quando voltou ao Brasil. Fixou re­sidência em São Paulo, mas não se envolveu mais com a política, dedicando-se ao seu trabalho de his­toriador. Faleceu em 4 de agosto de 1957, vítima de complicações de uma gripe. Apesar do pedido de um funeral simples, sem hon­ras oficiais, uma multidão seguiu o cortejo com fortes demonstrações de carinho.
Nívia Pombo é mestre em História Social pela Universidade Federal Flumi­nense e pesquisadora de Nossa História.
Fonte: Revista Nossa História - Ano IV nº 37 – Novembro 2006

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