“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

sábado, 30 de junho de 2012

Especial - Akira Kurosawa

A poderosa sombra do símbolo
Por meio de imagens belíssimas, 'Kagemusha, a sombra do samurai' narra a disputa pelo poder entre três clãs durante a guerra civil japonesa, no século XVI.
"É preciso que as coisas mudem de lugar para que permaneçam onde estão". A frase é de outro filme – O Leopardo, de Luchino Visconti -, mas pode ser usada para descrever o ambiente que Akira Kurosawa brilhantemente dirige em “Kagemusha, a sombra do samurai”. Na película, Kurosawa narra o conturbado período de guerra civil japonesa nos anos de 1573 a 1575, devido à disputa entre três clãs (Nobunaga, Tokugawa e Takeda) pelo poder. O desejo dos grupos era dominar Kioto: a conquista da cidade significava a liderança por todo o território nipônico.  O filme - que contou com o apoio financeiro de Francis Ford Coppola e George Lucas – estreou em 1980, virou sucesso mundial em pouco tempo. Além de grande bilheteria, conquistou diversos prêmios, entre eles a Palma de Ouro no Festival de Cannes.
     Parte das suas referências é real. Desde o século X aconteciam disputas sangrentas pela região. Em 1542, houve transformações que mudaram o caráter desses conflitos: a chegada dos mercadores portugueses com novas tecnologias de guerra. As primeiras armas de fogo foram introduzidas no combate, assim como uma nova religião com os jesuítas, mas nem todos os clãs incorporaram essas modificações. O clã Nobunaga aparece como aquele que se modernizou. Há uma cena que descreve bem essa apropriação do ocidente, em que o chefe e suas tropas saem dos seus domínios e há um padre rezando por eles. O senhor de guerra acena e responde com a palavra “Amém”.
     Partindo desse rico contexto, Kurosawa escolhe dar especial atenção ao clã Takeda. Após Shingen (Tatsuya Nakadai), chefe desse clã, ficar gravemente ferido, ele ordena aos seus conselheiros que, caso ele morra, a morte seja ocultada por pelo menos três anos. Exige ainda que não haja deslocamento na guerra, para que se preserve seus domínios. Com o seu falecimento, seus desejos são realizados. Para isso, eles se utilizam de um sósia, um ladrão que ia ser morto, mas que por sua semelhança com o falecido, termina sendo salvo e posto nesse lugar de extrema responsabilidade. O segredo deve ser mantido diante dos inimigos e do exército e membros de Takeda.
     A partir desse ponto, várias são as metáforas para indicar a imobilidade do clã. Kagemusha no Japão significa sombra. A palavra é bem curiosa. Diante desse mundo já descrito de intensas transformações, a sombra do líder permanece ali na figura do sósia. Todo um mundo mítico que já estava desaparecendo tenta ser recuperado pelos personagens, que querem preservá-lo mesmo que as mudanças sejam avalassadoras. O lema do clã - “Veloz como o vento, silencioso como a floresta, feroz como o fogo e imóvel como a montanha” - é bastante revelador, nesse sentido. As três primeiras qualidades se referem ao exército, mas a última é do chefe, que permanece imóvel olhando pelos seus amos. Embora Shingen seja realmente a figura mais poderosa do clã, ele é usado como um símbolo em torno do qual toda a velha ordem gira.
O sósia – que nunca nos é revelado o seu verdadeiro nome – deve permanecer projetando a figura da montanha. O ladrão é empurrado para viver esse papel, guiado pelo irmão do líder, Nobukado Takeda (Tsutomu Yamazaki) e um pequeno grupo de empregados. Apenas viver à sombra de seu líder é a orientação, agir como tal, enfrentar suas rotinas, imitar seus gestos, enganar amos como ele - e em alguns pontos do filme, é possível vê-lo se enganando. Os seus passos estão todos definidos. Para ele não resta nenhuma possibilidade de ação. É a total supressão de sua identidade a favor do clã que precisa ser preservado no nome da figura de Shingen. Devagar, no entanto, o kagemusha percebe que há uma enorme responsabilidade na sua figura, mas nada em suas mãos. A sombra nunca realmente entende o seu papel.
Kagemusha” chama atenção por sua fotografia belíssima. Legado de uma carreira artística do diretor que, antes de entrar no mundo do cinema, era um pintor muito talentoso. Algumas das cenas do filme foram inspiradas em suas pinturas: as cores das batalhas e os detalhes da cenografia de guerra refletem o tom e o traço dos pincéis. É uma história de guerra repleta de aventura, símbolos, ritos e tradições. É também um filme sobre um clã em decadência devido a sua resistência diante de um mundo em transformação. É uma obra-prima que discute muitos temas por meio de um período fascinante do Japão.
Ano: 1980
http://ul.to/p69uwv8uÁudio: Japonês/legendado
Duração: 180 minutos



Rapsódia em Agosto
O filme possui no seu elenco Richard Gere, representando o parente norte-americano de uma família japonesa, cuja avó Kane (Schiko Murase), a mulher mais velha da família, viu a bomba explodir e sofreu os efeitos da radiação. Os quatro adolescentes da família vão morar com a avó durante as férias, em Nagasaki enquanto seus pais viajam para o Havaí visitar um tio-avô doente. Após ouvirem o relato da avó a respeito da bomba, os adolescentes recebem a visita de seu primo norte-americano (Gere) que conta o outro lado da história marcado pelo arrependimento. Um arrependimento que se limita aos norte-americanos (certamente não todos) e não aos EUA, como república (uma das cenas mostra os adolescentes percebendo que entre todas as esculturas criadas para homenagear as vítimas da bomba de vários países do mundo, não há uma sequer do tio Sam).
Toda a história passa pelo drama de se decodificar não apenas a fragilidade de laços familiares, mas a sua vulnerabilidade perante tragédias como as de Nagasaki e Hiroshima. Para nós, ocidentais e orientais, fica a imaginação e o conhecimento de que hoje possuímos poder para repetirmos aquela mesma destruição várias vezes e em escalas muito maiores. Rapsódia em Agosto narra a explosão atômica não através de efeitos especiais ou com imagens de arquivo. É a história recontada não através de fatos – estes de conhecimento geral – mas através do olhar de quem viu as bombas caírem. Da cor triste de um episódio que deve ser lembrado não apenas para sabermos o quão longe podemos chegar, mas o quão perdidos ainda podemos estar.
Direção: Akira Kurosawa
Ano: 1991
http://ul.to/3ywaao26Áudio: Japonês/legendado
Duração: 98 minutos

Sonhos (Akira Kurosawa)
São oito segmentos. No primeiro, “A Raposa”, uma criança é avisada pela mãe que não deveria ir à floresta quando há chuva e sol, pois é a época do acasalamento das raposas, que não gostam de serem observadas. Mas ele desobedece aos conselhos e observa as raposas, atrás de uma árvore. Ao retornar para casa sua mãe não o deixa entrar e lhe entrega um punhal, dizendo que como ele havia contrariado a raposa ele deveria se matar, mas ela sugere algo que pode remediar a situação. Na segunda, “O Jardim dos Pessegueiros”, o irmão mais novo de uma família, ao servir chá para as irmãs, depara com uma moça que foge. Indo ao seu encalço, nota que ela é uma boneca e depara com os pessegueiros da sua casa totalmente cortados, restando só tocos. Os espíritos dos pessegueiros surgem para ele e, em uma dança melancólica, dizem que as bonecas são colocadas para enfeitar e festejar a florada dos pessegueiros, mas como eles não mais existem naquela casa não fazia sentido a presença das bonecas. Na terceira, “A Nevasca”, o líder de uma expedição, junto com seu grupo, se vê em meio a uma nevasca. Eles sucumbem a nevasca, mas repentinamente surge uma linda mulher que envolve o líder com uma echarpe prata. Ele percebe que ela é a morte, que se transforma em uma horrenda figura, então ele vê que está próximo do acampamento e tenta acordar os companheiros, mas não consegue. Ouve então uma corneta, indicando que o acampamento está mais próximo do que imagina. No quarto, “O Túnel”, ao entrar em um túnel o capitão de um exército é surpreendido por um cão, que ladra para ele. Atravessa então o túnel em curtos passos. Na saída ouve alguém caminhar e depara com um dos seus soldados morto em combate, que pensa não estar morto. No quinto conto, “Corvos”, um jovem pintor, ao observar as pinturas de Van Gogh, entra dentro dos quadros e se encontra com o pintor, que indaga por qual razão ele não está pintando se a paisagem é incrível, pois isto o motiva a pintar de forma frenética. No sexto conto, “Monte Fuji em Vermelho”, o Fuji entra em erupção ao mesmo tempo ocorre um incêndio em uma usina nuclear, provocado por falha humana. É desprendida no ar uma nuvem de radiação. Um homem relata ser um dos responsáveis pela tragédia e diz preferir a morte rápida de um afogamento à lenta provocada pela radiação. No sétimo, “O Demônio Chorão”, ao caminhar um viajante encontra um demônio, que lamenta ter sido um homem ganancioso e, como muitos, transformou a terra em um lastimável depósito de resíduos venenosos. No último, “Povoado dos Moinhos”, um viajante chega à um lugarejo conhecido por muitos como Povoado dos Moinhos. Lá não há energia elétrica e tampouco urbanização. Um idoso, ao ser indagado, relata que os inventos tornam as pessoas infelizes e que o importante para se ter uma boa vida é ser puro e ter água limpa.
Diretor: Akira Kurosawa
Ano: 1990
http://ul.to/muools5kÁudio: Japonês/Legendado
Duração: 119 Min.

Dersu Uzala (Akira Kurosawa)
O filme conta a história de um explorador (líder de uma expedição de levantamento topográfico na Sibéria) do exército russo, que é resgatado na Sibéria por um caçador Goldi (Dersu Uzala) que passa a servir-lhe de guia, dando início a uma forte amizade. Quando o explorador decide levar o caçador para a cidade, seus costumes se confrontam de forma esmagadora com o modo de vida burocrático na cidade, fazendo-o questionar diversos padrões da sociedade.
Dersu é um exemplo de humildade e sabedoria, e o filme mostra de maneira poética e sensível as diferenças culturais entre ele e o pesquisador russo. O diretor de fotografia aproveitou ao máximo as imponentes paisagens naturais da Sibéria e as registrou em belas imagens.
Numa das cenas inesquecíveis do filme, Dersu e o explorador russo se encontram em local aberto, uma estepe, quando uma nevasca os atinge. No frio siberiano (que pode atingir até 60º negativos), o russo se abate, quase que como entregue à morte certa. Dersu o convence a recolher os arbustos da estepe. Mesmo sem entender direito o significado do ato, este, cambaleante, faz o que Dersu lhe pede, até o esgotamento. Dersu então continua recolhendo a vegetação rala, que mais tarde se transformará numa pequena cabana, cavada na terra. Uma cena digna das melhores do cinema com relação ao embate entre natureza e sobrevivência.
Direção: Akira Kurosawa
http://ul.to/s5puu5whAno: 1975
Áudio: Russo/Legendado
Duração: 144 min

RAN
No Japão do século XVI, o senhor feudal Hidetora, patriarca do clã Ichimonji, aos 70 anos, decide dividir o reino entre os três filhos: Taro, Jiro e Saburo. Tarô, o mais velho, seguindo a tradição do patriarcado japonês, torna-se o líder do clã e recebe o Primeiro Castelo, centro do poder. Jiro e Saburo recebem, respectivamente, o Segundo e o Terceiro Castelo. Hidetora retém para si o título de “Grande Senhor” para permanecer com os privilégios, sem se responsabilizar com os deveres do cargo. Nos planos de Hidetora, Jiro e Saburo dariam apoio a Taro e os três, unidos, manteriam as conquistas da família, utilizando como exemplo, a parábola da flecha, de Motonari Mori, senhor feudal japonês que viveu entre 1497 – 1571.
Saburo contraria a ideia do seu pai, critica seu plano, lembrando-o da maneira como conquistou seus domínios, chamando-o de “velho tolo” ao esperar que seus filhos mantenham a lealdade a ele. Hidetora bane Saburo, entendendo essa reação como traição e também Tango, servo fiel que tenta persuadi-lo do erro que está cometendo. Porém, Hidetora segue adiante em sua decisão e o que ele vivencia é a destruição de sua família, a derrocada do poder e a violência descontrolada que atinge a todos, bons e maus. Ao presenciar o massacre que provocou, Hidetora enlouquece e vaga pelas ruínas como um fantasma, acompanhado de Tango e Kiyoami, o Bobo. Manipulando os dois irmãos, está Kaede, esposa de Taro e depois de sua morte, amante de Jiro. Kaede é a vingança personificada, cuja família foi derrotada e destruída por Hidetora, legitimando a posse de seus territórios, casando-a com seu 5 filho mais velho. Da mesma maneira, Jiro é casado com Sue, cuja família foi destruída por Hidetora, seu castelo queimado e seu irmão, Tsurumaru, cegado. Diferente de Kaede, Sue dedica-se ao budismo e perdoa seu sogro das atrocidades cometidas, atitude que Hidetora não consegue entender. Saburo e Hidetora reconciliam-se em vida, mas ambos morrem quando faziam planos para desfrutar de uma convivência pacífica.
Direção: Akira Kurosawa
Ano: 1985
http://ul.to/vymv7vtz
Áudio: Japonês/Legendado
Duração: 160 min

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