Por meio de imagens
belíssimas, 'Kagemusha, a sombra do samurai' narra a disputa pelo poder entre
três clãs durante a guerra civil japonesa, no século XVI.
"É preciso que as coisas mudem de lugar
para que permaneçam onde estão". A frase é de outro filme – O Leopardo, de
Luchino Visconti -, mas pode ser usada para descrever o ambiente que Akira
Kurosawa brilhantemente dirige em “Kagemusha, a sombra do samurai”. Na
película, Kurosawa narra o conturbado período de guerra civil japonesa nos anos
de 1573 a 1575, devido à disputa entre três clãs (Nobunaga, Tokugawa e Takeda)
pelo poder. O desejo dos grupos era dominar Kioto: a conquista da cidade
significava a liderança por todo o território nipônico. O filme - que
contou com o apoio financeiro de Francis Ford Coppola e George Lucas – estreou
em 1980, virou sucesso mundial em pouco tempo. Além de grande bilheteria,
conquistou diversos prêmios, entre eles a Palma de Ouro no Festival de Cannes.
Parte
das suas referências é real. Desde o século X aconteciam disputas sangrentas
pela região. Em 1542, houve transformações que mudaram o caráter desses
conflitos: a chegada dos mercadores portugueses com novas tecnologias de
guerra. As primeiras armas de fogo foram introduzidas no combate, assim como
uma nova religião com os jesuítas, mas nem todos os clãs incorporaram essas
modificações. O clã Nobunaga aparece como aquele que se modernizou. Há uma cena
que descreve bem essa apropriação do ocidente, em que o chefe e suas tropas
saem dos seus domínios e há um padre rezando por eles. O senhor de guerra acena
e responde com a palavra “Amém”.
Partindo
desse rico contexto, Kurosawa escolhe dar especial atenção ao clã Takeda. Após
Shingen (Tatsuya Nakadai), chefe desse clã, ficar gravemente ferido, ele ordena
aos seus conselheiros que, caso ele morra, a morte seja ocultada por pelo menos
três anos. Exige ainda que não haja deslocamento na guerra, para que se
preserve seus domínios. Com o seu falecimento, seus desejos são realizados.
Para isso, eles se utilizam de um sósia, um ladrão que ia ser morto, mas que
por sua semelhança com o falecido, termina sendo salvo e posto nesse lugar de
extrema responsabilidade. O segredo deve ser mantido diante dos inimigos e do
exército e membros de Takeda.
A
partir desse ponto, várias são as metáforas para indicar a imobilidade do clã.
Kagemusha no Japão significa sombra. A palavra é bem curiosa. Diante desse
mundo já descrito de intensas transformações, a sombra do líder permanece ali
na figura do sósia. Todo um mundo mítico que já estava desaparecendo tenta ser
recuperado pelos personagens, que querem preservá-lo mesmo que as mudanças
sejam avalassadoras. O lema do clã - “Veloz como o vento, silencioso como a
floresta, feroz como o fogo e imóvel como a montanha” - é bastante revelador,
nesse sentido. As três primeiras qualidades se referem ao exército, mas a
última é do chefe, que permanece imóvel olhando pelos seus amos. Embora Shingen
seja realmente a figura mais poderosa do clã, ele é usado como um símbolo em
torno do qual toda a velha ordem gira.
O sósia – que nunca nos é revelado o seu
verdadeiro nome – deve permanecer projetando a figura da montanha. O ladrão é
empurrado para viver esse papel, guiado pelo irmão do líder, Nobukado Takeda
(Tsutomu Yamazaki) e um pequeno grupo de empregados. Apenas viver à sombra de
seu líder é a orientação, agir como tal, enfrentar suas rotinas, imitar seus
gestos, enganar amos como ele - e em alguns pontos do filme, é possível vê-lo
se enganando. Os seus passos estão todos definidos. Para ele não resta nenhuma
possibilidade de ação. É a total supressão de sua identidade a favor do clã que
precisa ser preservado no nome da figura de Shingen. Devagar, no entanto,
o kagemusha percebe que há uma enorme responsabilidade na sua
figura, mas nada em suas mãos. A sombra nunca realmente entende o seu papel.
“Kagemusha” chama atenção por sua
fotografia belíssima. Legado de uma carreira artística do diretor que, antes de
entrar no mundo do cinema, era um pintor muito talentoso. Algumas das cenas do
filme foram inspiradas em suas pinturas: as cores das batalhas e os detalhes da
cenografia de guerra refletem o tom e o traço dos pincéis. É uma história de
guerra repleta de aventura, símbolos, ritos e tradições. É também um filme
sobre um clã em decadência devido a sua resistência diante de um mundo em
transformação. É uma obra-prima que discute muitos temas por meio de um período
fascinante do Japão.
Ano: 1980
Duração: 180 minutos
Rapsódia em Agosto
O filme possui no seu elenco Richard Gere, representando o parente
norte-americano de uma família japonesa, cuja avó Kane (Schiko Murase), a mulher mais velha da família, viu a
bomba explodir e sofreu os efeitos da radiação. Os quatro adolescentes da
família vão morar com a avó durante as férias, em Nagasaki enquanto seus pais
viajam para o Havaí visitar um tio-avô doente. Após ouvirem o relato da avó a
respeito da bomba, os adolescentes recebem a visita de seu primo norte-americano
(Gere) que conta o outro lado da história marcado pelo arrependimento. Um
arrependimento que se limita aos norte-americanos (certamente não todos) e não
aos EUA, como república (uma das cenas mostra os adolescentes percebendo que
entre todas as esculturas criadas para homenagear as vítimas da bomba de vários
países do mundo, não há uma sequer do tio Sam).
Toda a história passa pelo
drama de se decodificar não apenas a fragilidade de laços familiares, mas a sua
vulnerabilidade perante tragédias como as de Nagasaki e Hiroshima. Para nós,
ocidentais e orientais, fica a imaginação e o conhecimento de que hoje
possuímos poder para repetirmos aquela mesma destruição várias vezes e em
escalas muito maiores. Rapsódia em Agosto narra a explosão atômica não através
de efeitos especiais ou com imagens de arquivo. É a história recontada não
através de fatos – estes de conhecimento geral – mas através do olhar de quem
viu as bombas caírem. Da cor triste de um episódio que deve ser lembrado não
apenas para sabermos o quão longe podemos chegar, mas o quão perdidos ainda
podemos estar.
Direção: Akira Kurosawa
Ano: 1991
Duração: 98 minutos
Sonhos
(Akira Kurosawa)
São oito segmentos. No primeiro, “A
Raposa”, uma criança é avisada pela mãe que não deveria ir à floresta quando há
chuva e sol, pois é a época do acasalamento das raposas, que não gostam de
serem observadas. Mas ele desobedece aos conselhos e observa as raposas, atrás
de uma árvore. Ao retornar para casa sua mãe não o deixa entrar e lhe entrega
um punhal, dizendo que como ele havia contrariado a raposa ele deveria se
matar, mas ela sugere algo que pode remediar a situação. Na segunda, “O Jardim
dos Pessegueiros”, o irmão mais novo de uma família, ao servir chá para as
irmãs, depara com uma moça que foge. Indo ao seu encalço, nota que ela é uma
boneca e depara com os pessegueiros da sua casa totalmente cortados, restando
só tocos. Os espíritos dos pessegueiros surgem para ele e, em uma dança
melancólica, dizem que as bonecas são colocadas para enfeitar e festejar a
florada dos pessegueiros, mas como eles não mais existem naquela casa não fazia
sentido a presença das bonecas. Na terceira, “A Nevasca”, o líder de uma
expedição, junto com seu grupo, se vê em meio a uma nevasca. Eles sucumbem a
nevasca, mas repentinamente surge uma linda mulher que envolve o líder com uma
echarpe prata. Ele percebe que ela é a morte, que se transforma em uma horrenda
figura, então ele vê que está próximo do acampamento e tenta acordar os
companheiros, mas não consegue. Ouve então uma corneta, indicando que o
acampamento está mais próximo do que imagina. No quarto, “O Túnel”, ao entrar
em um túnel o capitão de um exército é surpreendido por um cão, que ladra para
ele. Atravessa então o túnel em curtos passos. Na saída ouve alguém caminhar e
depara com um dos seus soldados morto em combate, que pensa não estar morto. No
quinto conto, “Corvos”, um jovem pintor, ao observar as pinturas de Van Gogh,
entra dentro dos quadros e se encontra com o pintor, que indaga por qual razão
ele não está pintando se a paisagem é incrível, pois isto o motiva a pintar de
forma frenética. No sexto conto, “Monte Fuji em Vermelho”, o Fuji entra em
erupção ao mesmo tempo ocorre um incêndio em uma usina nuclear, provocado por
falha humana. É desprendida no ar uma nuvem de radiação. Um homem relata ser um
dos responsáveis pela tragédia e diz preferir a morte rápida de um afogamento à
lenta provocada pela radiação. No sétimo, “O Demônio Chorão”, ao caminhar um
viajante encontra um demônio, que lamenta ter sido um homem ganancioso e, como
muitos, transformou a terra em um lastimável depósito de resíduos venenosos. No
último, “Povoado dos Moinhos”, um viajante chega à um lugarejo conhecido por
muitos como Povoado dos Moinhos. Lá não há energia elétrica e tampouco
urbanização. Um idoso, ao ser indagado, relata que os inventos tornam as
pessoas infelizes e que o importante para se ter uma boa vida é ser puro e ter
água limpa.
Diretor: Akira Kurosawa
Ano: 1990
Duração: 119 Min.
Dersu Uzala
(Akira Kurosawa)
O filme conta a história de um
explorador (líder de uma expedição de levantamento topográfico na Sibéria) do
exército russo, que é resgatado na Sibéria por um caçador Goldi (Dersu Uzala)
que passa a servir-lhe de guia, dando início a uma forte amizade. Quando o
explorador decide levar o caçador para a cidade, seus costumes se confrontam de
forma esmagadora com o modo de vida burocrático na cidade, fazendo-o questionar
diversos padrões da sociedade.
Dersu é um exemplo de
humildade e sabedoria, e o filme mostra de maneira poética e sensível as
diferenças culturais entre ele e o pesquisador russo. O diretor de fotografia
aproveitou ao máximo as imponentes paisagens naturais da Sibéria e as registrou
em belas imagens.
Numa das cenas
inesquecíveis do filme, Dersu e o explorador russo se encontram em local
aberto, uma estepe, quando uma nevasca os atinge. No frio siberiano (que pode
atingir até 60º negativos), o russo se abate, quase que como entregue à morte
certa. Dersu o convence a recolher os arbustos da estepe. Mesmo sem entender
direito o significado do ato, este, cambaleante, faz o que Dersu lhe pede, até
o esgotamento. Dersu então continua recolhendo a vegetação rala, que mais tarde
se transformará numa pequena cabana, cavada na terra. Uma cena digna das melhores
do cinema com relação ao embate entre natureza e sobrevivência.
Direção: Akira Kurosawa
Áudio: Russo/Legendado
Duração: 144 min
RAN
No Japão do século XVI, o senhor
feudal Hidetora, patriarca do clã Ichimonji, aos 70 anos, decide dividir o
reino entre os três filhos: Taro, Jiro e Saburo. Tarô, o mais velho, seguindo a
tradição do patriarcado japonês, torna-se o líder do clã e recebe o Primeiro
Castelo, centro do poder. Jiro e Saburo recebem, respectivamente, o Segundo e o
Terceiro Castelo. Hidetora retém para si o título de “Grande Senhor” para
permanecer com os privilégios, sem se responsabilizar com os deveres do cargo.
Nos planos de Hidetora, Jiro e Saburo dariam apoio a Taro e os três, unidos,
manteriam as conquistas da família, utilizando como exemplo, a parábola da
flecha, de Motonari Mori, senhor feudal japonês que viveu entre 1497 – 1571.
Saburo contraria a ideia
do seu pai, critica seu plano, lembrando-o da maneira como conquistou seus
domínios, chamando-o de “velho tolo” ao esperar que seus filhos mantenham a
lealdade a ele. Hidetora bane Saburo, entendendo essa reação como traição e
também Tango, servo fiel que tenta persuadi-lo do erro que está cometendo.
Porém, Hidetora segue adiante em sua decisão e o que ele vivencia é a
destruição de sua família, a derrocada do poder e a violência descontrolada que
atinge a todos, bons e maus. Ao presenciar o massacre que provocou, Hidetora
enlouquece e vaga pelas ruínas como um fantasma, acompanhado de Tango e
Kiyoami, o Bobo. Manipulando os dois irmãos, está Kaede, esposa de Taro e
depois de sua morte, amante de Jiro. Kaede é a vingança personificada, cuja
família foi derrotada e destruída por Hidetora, legitimando a posse de seus
territórios, casando-a com seu 5 filho mais velho. Da mesma maneira, Jiro é
casado com Sue, cuja família foi destruída por Hidetora, seu castelo queimado e
seu irmão, Tsurumaru, cegado. Diferente de Kaede, Sue dedica-se ao budismo e
perdoa seu sogro das atrocidades cometidas, atitude que Hidetora não consegue
entender. Saburo e Hidetora reconciliam-se em vida, mas ambos morrem quando
faziam planos para desfrutar de uma convivência pacífica.
Direção: Akira Kurosawa
Ano: 1985
Duração: 160 min
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