“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

quinta-feira, 28 de junho de 2012

I República (1889-1930) / Complemento.

Símbolos da República
     A República foi proclamada. Mas não bastava a força para sustentar o novo regime. Era preciso persuadir a sociedade. Para isso, os republicanos tiveram que formular símbolos, imagens e rituais que mostrassem à sociedade a legitimidade do novo regime político. Esses símbolos deviam marcar também as diferenças entre a República e a Monarquia, comprovando as vantagens da primeira sobre a segunda.
     Para o historiador Jose Murilo de Carvalho, alguns símbolos republicanos eram novidades; outros nem tanto; muitos não foram aceitos pela sociedade. O primeiro símbolo a distinguir completamente a República da Monarquia foi Tiradentes, eleito como herói cívico a ser cultuado pelos republicanos - e isso porque membros da Inconfidência Mineira chegaram a defender a República enquanto Tiradentes foi condenado a forca pela monarquia portuguesa. Homenageando e respeitando Tiradentes, também se homenageava e respeitava a República. Assim, o dia 21 de abril, data de sua morte, foi considerado feriado nacional, junto com o 15 de novembro, dia da proclamação da República.
     Alguns dos novos símbolos republicanos não romperam completamente com o passado, sobretudo por causa da força da tradição da Monarquia. Nesta situação esta incluída a Bandeira Nacional.

      A República foi proclamada, mas não havia uma bandeira para representa-la. Alguns clubes republicanos chegaram a criar uma, copiando a dos Estados Unidos: listras horizontais verdes e amarelas e, à esquerda na parte de cima, um quadrado de fundo azul com estrelas brancas. Mas quem criou a nova bandeira foi Teixeira Mendes, um artista positivista.
     A bandeira do Império tinha o fundo verde, o losango amarelo e a esfera azul, como a atual. O verde representava a casa de Bragança, dinastia de D. Pedro I, enquanto o amarelo a Casa de Habsburgo, dinastia de D. Leopoldina. Dentro da esfera azul estavam os emblemas imperiais: a cruz, a esfera armilar, a coroa e os ramos de café e tabaco. Teixeira Mendes, no lugar dos emblemas imperiais, desenhou estrelas e colocou uma faixa branca com os dizeres "Ordem e Progresso", um lema positivista. Mantendo símbolos da Monarquia com inovações republicanas, os positivistas disseram querer dar continuidade entre o passado e o futuro.
     Outro símbolo pertencente à tradição da Monarquia que continuou presente foi o Hino Nacional. Os republicanos não tinham um hino: cantavam a Marselhesa, Hino Nacional da França, considerado, na época, música revolucionária. No dia da proclamação da República, ouvia-se, pelas ruas do Rio de Janeiro, pessoas cantando a Marselhesa. Mas era preciso ter um hino republicano. O novo governo abriu um concurso para escolher o novo hino.
     Ocorre que o Hino Nacional na época do Império - o mesmo de hoje - era muito popular. Como, então, deixar de reconhecer um símbolo cultuado pela população? Assim, manteve-se a música de Francisco Manuel da Silva, mas uma nova letra foi composta por Osório Duque Estrada. O concurso, desse modo, elegeu o Hino da Proclamação da República ("Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nos...”). Se no caso da bandeira a vitória foi dos positivistas, no caso do Hino a vitória foi da população.
     O ultimo caso refere-se ao fracasso na criação de um símbolo republicano: a imagem da mulher como símbolo republicano.
Recorrendo ao caso francês em que a República é representada por um símbolo feminino, Marianne, os republicanos brasileiros tentaram fazer o mesmo no Brasil. A tentativa fracassou. Na França, as mulheres, durante a Revolução Francesa, participaram da vida política do país. Daí não ser estranho um símbolo feminino para representar a República francesa. Mas, no Brasil, o mesmo não ocorreu. Portanto, tratou-se de um símbolo importado que, sem referências históricas, não foi reconhecido pela sociedade brasileira.
(CARVALHO, Jose Murilo de. A formação das almas: O imaginário da Republica no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.)

Estabelecendo o território
          Os primeiros governos republicanos enfrentaram problemas territoriais com os vizinhos latino-americanos. O primeiro deles foi sobre a região oeste dos atuais estados de Santa Catarina e Paraná, que era reclamada pelos argentinos. A questão foi resolvida pela arbitragem internacional norte-americana em 1895, confirmando a região como território brasileiro.
     Outra pendência foi com a França, sobre a demarcação das fronteiras do Brasil com a Guiana Francesa. Com arbitragem internacional do governo suíço, o Brasil venceu a disputa em 1900 impondo sua soberania sobre terras que hoje são parte do Amapá.   
     No ano seguinte, o Brasil entrou em disputa com a Inglaterra sobre os limites territoriais entre a Guiana Inglesa e Roraima. O rei da Itália, Vítor Emanuel II, foi convocado como árbitro internacional, e em 1904 ele decidiu a favor dos ingleses. Desse modo, o Brasil perdeu parte do território conhecido como Pirara, e a Inglaterra teve acesso à bacia Amazônica através de seus afluentes.
     Outro problema, bem mais complexo, foi onde hoje se localiza o Acre. Região que pertencia à Bolívia e ao Peru. Principalmente nordestinos em particular cearenses que sofriam com a seca, se estabeleceram ali para explorar a borracha, gerando conflitos armados com tropas bolivianas. Os brasileiros chegaram a declarar a independência política do Acre. Em 1903, a diplomacia brasileira conseguiu uma vitória com o Tratado de Petrópolis, que incorporava o Acre ao território brasileiro em troca de indenizações à Bolívia e ao Peru.
     Cabe destacar a relevante atuação de Jose Maria da Silva Paranhos Junior, o barão do Rio Branco, responsável pelas relações internacionais do Brasil entre 1902 e 1912. Ele esteve à frente das negociações das disputas territoriais do país, fez do Ministério das Relações Exteriores uma instituição profissionalizada e aproximou o Brasil dos Estados Unidos.

Messianismo e Milenarismo
     Dois conceitos nos ajudam a compreender melhor os movimentos que ocorreram em Juazeiro do Norte, Canudos e Contestado: messianismo e milenarismo. Messianismo e a crença na vinda de um messias para salvar a humanidade. Milenarismo e a crença na instauração do "reino de Deus" na Terra, que duraria mil anos.
     Desse modo, Canudos não pode ser considerado nem um movimento messiânico nem milenarista. Antonio Conselheiro não se apresentou como messias nem se referiu a um novo mundo que seria instaurado na Terra.
     O Contestado, porém, apresentou ao mesmo tempo fortes traços messiânicos e milenaristas. Tanto José Maria, aceito como o messias, já tinha vindo a Terra, quanta se esperava a imposição do "reino de Deus" na região com a sua volta.
     Em Juazeiro do Norte, havia um forte potencial milenarista, sobretudo com as beatas que tinham visões sobre o fim do mundo e a instauração da Nova Jerusalém. Mas o padre Cicero não queria romper com a Igreja católica nem com as instituições da Republica e impediu o movimento de ir adiante.

Reunindo Fiéis: Padre Cícero
     Em 1889, no povoado de Juazeiro do Norte, sul do estado do Ceará, na região do vale do Cariri, durante a missa celebrada pelo padre Cicero Romão Baptista, uma beata teria sangrado pela boca, logo após receber a hóstia. Para os paroquianos, tratava-se de um milagre: a hóstia teria se transformado em sangue.
A notícia do suposto milagre se espalhou, e uma comissão composta de padres e médicos foi designada pelo bispo para examinar o caso. Eles concluíram que podia mesmo tratar-se de milagre, mas o bispo não aceitou o laudo e nomeou outra comissão, cujo parecer foi implacável: tudo não passava de embuste.
     O bispo temia que o aumento do prestígio de Cícero estimulasse práticas religiosas fora do controle da Igreja, o que realmente acabou acontecendo: padre Cicero passou a ser idolatrado na região. Além das funções de padre, ele agia como juiz, conselheiro, ensinava práticas de higiene, acolhia doentes e criminosos arrependidos. O prestígio era tamanho que provocou a reação da alta hierarquia da Igreja.
Em 1892, 0 padre foi impedido de pregar e ouvir em confissão; dois anos depois, a Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Inquisição) decretou a falsidade do milagre em Juazeiro do Norte. A população reagiu: movimentos de solidariedade se formaram e irmandades se mobilizaram a favor do padre Cícero. Imensas romarias se dirigiam a cidade; beatas diziam ter visões que anunciavam a proximidade do fim do mundo e o retorno de Cristo.
     Assim, surgia na região um movimento que desafiava as autoridades eclesiásticas. O aumento das peregrinações tornou Juazeiro do Norte lugar em que rebeliões poderiam acontecer a qualquer momento. As autoridades da Igreja não deixaram por menos e excomungaram o padre Cícero em 1916.
Padre Cícero estava inserido na politica oligárquica da região. Em 1911, foi eleito prefeito de Juazeiro do Norte e tornou-se o principal articulador de um pacto entre os coronéis do Cariri. Até a sua morte, em 1934, aos 90 anos de idade, ele lutou, em vão, para provar que o milagre havia ocorrido.
 Abaporu
Abaporu trata-se de nome indígena que significa aba (homem) e poru (comer). Em tradução livre, leríamos "O homem que come".
A imagem sugere uma atitude de meditação: o apoio do rosto com uma das mãos. Mas o que chama a atenção no quadro é a desproporção entre o rosto e o pé e a mão. Os modernistas davam grande importância às raízes culturais brasileiras, daí o pé enorme em contato com a terra, absorvendo suas influências. Um grande Sol lembra o clima dos trópicos. Para muitos modernistas, o Abaporu foi interpretado como a representação do homem brasileiro. Não é um europeu, é um Abaporu, um homem que come. Ele se alimenta das mais variadas culturas.

Direitos de Cidadania
     Ao tratar de cidadania, vale uma referência ao sociólogo inglês T. H. Marshall, que elaborou uma maneira original para caracterizar os direitos do cidadão, divididos em três.
     Primeiro, os direitos civis - básicos e fundamentais do ser humano, como o direito à vida, à liberdade e à propriedade -, que garantem que ninguém poderá ser preso e/ou condenado sem processo legal e com garantias de defesa. A igualdade de todos perante a lei impede discriminações sociais, raciais, sexuais, religiosas, entre outras. Os direitos civis incluem as garantias à livre expressão do pensamento e da opinião, a liberdade religiosa e de imprensa, ao direito de ir e vir, a inviolabilidade do lar e da correspondência. Garantem ainda relações sociais baseadas na civilidade.
     Segundo, os direitos políticos, que incluem os direitos de representação, expressão, participação e organização política. A cidadania política é conhecida pelo direito de votar e ser votado.
     Por fim, os direitos sociais, que se referem às leis de garantia ao trabalho, à saúde e à educação, a previdência e à assistência social. Alguns intelectuais chamam a atenção para a necessidade de haver um quarto direito de cidadania: o direito ecológico, ou seja, a um planeta limpo.
Vale lembrar que os direitos de cidadania citados constituem um ponto de partida para a expansão de novos direitos - e não um fim em si mesmos.
     T. H. Marshall formulou suas ideias pensando na história europeia. Assim, os direitos civis surgiram ao longo das lutas contra o absolutismo nos séculos XVII e XVIII. As revoluções liberais na Inglaterra e na França e a independência dos Estados Unidos instituíram os direitos civis nesses países. Ao garantir direitos contra a tirania dos monarcas absolutistas, o liberalismo atuou de maneira revolucionária naquele momento. Os direitos políticos, por sua vez, foram expandidos nas sociedades europeias ao longo dos séculos XIX e XX. Somente no século XX os trabalhadores tiveram acesso aos direitos sociais.
Como as três modalidades de direitos de cidadania enumeradas por Marshall tiveram como referência a história europeia, em outras regiões do planeta - incluindo o Brasil - a instituição desses direitos não ocorreu da mesma maneira.

I República e cidadania
*Leia e reflita: Sem um Poder judiciário independente, é possível, o exercício dos direitos civis?*
     Embora a Constituição de 1891 garantisse os direitos civis e os direitos políticos, uma série de restrições e práticas excludentes impedia que a maioria dos brasileiros tivesse acesso aos direitos de cidadania.
As mulheres, os homens menores de 25 anos, os analfabetos, os militares de baixa patente e os religiosos não tinham direito ao voto, o que restringia o direito de representação. Na primeira eleição para presidente da Republica, em 1894, calcula-se que apenas 2,2% da população participaram com o voto. Além disso, a política partidária era restrita às oligarquias. O voto aberto, o "voto de cabresto", a "eleição a bico de pena", as fraudes eleitorais e as violências e intimidações impediam o pleno exercício dos direitos políticos.
     Os direitos civis, por sua vez, tornaram-se privilégio das elites dominantes e das camadas ricas da população. O poder dos coronéis impossibilitava o exercício dos direitos civis, como as garantias à vida e à liberdade. A inviolabilidade do lar e a integridade física, por exemplo, poderiam ser desrespeitadas a qualquer momento por eles. A influência privada que exerciam sobre o sistema policial e judiciário impedia que o agredido pudesse se defender.
Sem os direitos políticos e civis garantidos, a população ainda não tinha acesso aos direitos sociais. A Constituição de 1891 não fazia referência a eles. Os trabalhadores não tinham leis sociais ou trabalhistas, nem acesso a redes de saúde e educação pública ou sistemas de pensões e aposentadorias.

Fonte: VAINFA, Ronaldo... [et al.] História. São Paulo. Saraiva. 2010.
Filmes:
A Guerra dos Pelados
O filme é baseado no episódio histórico da Guerra do Contestado (1912-1916), quando em 1913, em Santa Catarina, houve um conflito envolvendo cessão de terras e uma estrada de ferro estrangeira. Os expropriados foram chamados de "pelados", pois rasparam a cabeça e se entrincheiraram num reduto messiânico. Filmado em Caçador (Santa Catarina), roteiro chegou a detalhes na guerra corpo a corpo e na estratégia militar. Encerra-se depois que os pelados sofreram duro golpe em Taquaruçu, onde 700 soldados da República os fazem recuar e fugir para Caraguatá. As cenas finais são dos sobreviventes, a cavalo e a pé, rumando para Caraguatá, já sob liderança de resistência de Adeodato e sob liderança espiritual de Ana, a jovem com 15 anos de idade.
Direção: Sylvio Back
Ano: 1970
Áudio: Português
Duração: 98 minutos

Guerra de Canudos
Baseado em fatos reais da história brasileira, a Guerra de Canudos, opôs aos soldados do Presidente Prudente de Morais aos beatos reunidos em torno de Antônio Conselheiro. Em 1893, Antônio Conselheiro (José Wilker), um monarquista assumido, e seus seguidores começam a tornar um simples movimento em algo grande demais para a República, que acabara de ser proclamada e decidira por enviar vários destacamentos militares para destruí-los. Os seguidores de Antônio Conselheiro apenas defendiam seus lares, mas a nova ordem não podia aceitar que humildes moradores do sertão da Bahia desafiassem a República. Assim, em 1897, esforços são reunidos para destruir os sertanejos. Estes fatos são vistos pela ótica de uma família sertaneja que se divide quando a filha mais velha, Luiza (Cláudia Abreu), se recusa a acompanhar os pais (Paulo Betti e Marieta Severo) na peregrinação liderada por Antônio Conselheiro, Luiza foge e se torna prostituta. Sua família se estabelece em Belo Monte, região de Canudos, onde Conselheiro e seus fiéis procuram resistir aos ataques dos soldados federais enviados para acabar com o povoado.
Direção: Sérgio Rezende
Ano: 1997
Áudio: Português
Duração: 165 minutos

Macunaíma
Macunaíma é um herói preguiçoso, safado e sem nenhum caráter. Ele nasceu na selva, negro (Grande Otelo) virou branco (Paulo José). Depois de adulto, deixa o sertão em companhia dos irmãos. Macunaíma vive várias aventuras na cidade, conhecendo e amando guerrilheiras e prostitutas, enfrentando vilões milionários, policiais, personagens de todos os tipos. Depois dessa longa e tumultuada aventura urbana, ele volta à selva. Um compêndio de mitos, lendas e da alma do brasileiro, a partir do clássico romance de Mário de Andrade. De acordo com o diretor Joaquim Pedro de Andrade, Macunaíma é "a história de um homem que foi comido pelo Brasil".
Direção: Joaquim Pedro de Andrade
Ano: 1969
Áudio: Português
Duração: 108 minutos

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