Para os jornais paulistanos, o golpe militar foi a defesa da lei e da ordem
Luiz Antonio Dias
“Os
comunistas invadiram o Brasil”. Era esta a impressão de qualquer leitor de
jornais no início dos anos 1960. Desde a posse de João Goulart na Presidência,
em 1961, setores militares já planejavam sua queda. Matérias, manchetes e
editoriais veiculados pela imprensa nesse período dão ideia do clima tenso, e é
importante entender que essas informações divulgadas pelos jornais
paulistanos Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo não
eram neutras ou meramente “informativas”.
Defendendo a “ordem”, a Folha teceu
fortes críticas ao comício pelas Reformas de Base, ocorrido no dia 13 de março
de 1964 na Guanabara, afirmando que foi organizado por extremistas que tentavam
subverter a ordem. No dia seguinte ao comício, publicou um editorial sobre o
assunto: “preferiu o Sr. João Goulart prestigiar uma iniciativa vista com
justificada apreensão por toda a opinião pública (...). Resta saber se as
Forças Armadas (...) preferirão ficar com o Sr. João Goulart, traindo a
Constituição, a pátria e as instituições”. O Estadão também
exigiu um posicionamento das Forças Armadas no episódio. O editorial “O
presidente fora da lei”, do mesmo dia, acusa João Goulart e alega que isso é
apenas uma parte: “É, evidentemente, a última etapa do movimento subversivo que
(...) é chefiado sem disfarces pelo homem de São Borja. E é também o momento de
as Forças Armadas definirem, finalmente, a sua atitude ambígua ante a
sistemática destruição do regime pelo Sr. João Goulart, apoiado nos comunistas”.
A Marcha da Família com Deus pela
Liberdade, ocorrida em São Paulo em 19 de março, foi uma resposta ao comício da
Guanabara, e sobre essa manifestação a Folha apresentou a
seguinte manchete: “São Paulo parou ontem para defender o regime”. Já O
Estado de S. Paulo dizia em 20 de março: “Meio milhão de paulistanos e
paulistas manifestaram ontem em São Paulo, no nome de Deus e em prol da
liberdade, seu repúdio ao comunismo e à ditadura e seu apego à lei e à
democracia”. Nesse editorial, o jornal buscou resgatar a memória de 1930 e 1932
[Ver RHBN nº 82], “da luta contra os caudilhos e a ditadura”, mostrando
que o povo de São Paulo saberia lutar bravamente para garantir a Constituição
de 1946.
A Revolta dos Marinheiros, em 26 de março,
nada mais foi do que a gota d’água de um movimento golpista que já vinha
caminhando a passos largos. Nesse episódio, mais uma vez, a Folha se
colocou ao lado da “ordem”, criticando o movimento e lançando ataques à ação do
presidente no incidente. “A solução dada pelo presidente (...) tem todas as
características de uma capitulação.”
Na noite de 30 de março, o presidente
compareceu ao Automóvel Clube, na Guanabara, para a comemoração do 40°
aniversário da fundação da Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia
Militar. Nesta solenidade, Goulart proferiu o seu discurso mais radical. No dia
seguinte, a repercussão na imprensa foi negativa: os jornais se levantaram
novamente contra o presidente. O discurso de João Goulart acabou sendo a senha
para o início do golpe militar, que seria deflagrado na madrugada seguinte.
A Folha também circulou nesse dia com um suplemento especial
intitulado “64 – O Brasil continua”, repleto de anúncios de grandes empresas,
mostrando que o Brasil cresceria em 1964, que esse seria um novo tempo.
Cadernos como este – lançando previsões – normalmente circulam no início do
ano. A data de publicação comprova que a sua elaboração ocorreu antes do início
do golpe militar.
No dia seguinte ao golpe, o jornal afirmou
que Goulart governou com os comunistas, tentou eliminar o Congresso atacando a
Constituição, e, desta forma, a intervenção militar teria sido justa. Para
a Folha, “não houve rebelião contra a lei. Na verdade, as Forças
Armadas destinam-se a proteger a pátria e garantir os poderes constitucionais,
a lei e a ordem”.
Com a subida de Castello Branco ao poder,
a Folha do dia 16 de abril não poupou elogios ao novo
presidente em seu editorial. “É com satisfação que registramos ter seu discurso
de posse reafirmado todas as nossas expectativas e revigorado a nossa esperança
de que uma nova fase realmente se descerrou para o Brasil”.
Durante o governo Goulart, o jornal
atacava o presidente e seu governo como uma ameaça aos direitos legais. Mas o
editorial do dia seguinte ao golpe, “O sacrifício necessário”, defendia a
necessidade de suprimir direitos constitucionais: “Nossas palavras dirigem-se
hoje (...) aos que se acham dispostos ao sacrifício de interesses, de bens, de
direitos, para que a nação ressurja, quanto antes, plenamente
democratizada.”
No dia 3 de abril, o Estadão,
estampou a seguinte manchete: “Democratas dominam toda a Nação”. É inegável que
houve um árduo trabalho por parte dos jornais para desestabilizar o governo
Goulart.
Tanto o Estadão quanto
a Folha defenderam a deposição de um presidente eleito pelo
povo e derrubado pelas Forças Armadas como “defesa da lei e do regime”. A
imprensa paulistana, apresentando-se como porta-voz da opinião pública, saudou
a instalação de um governo autoritário e ilegítimo como se fosse democrático e
legal. Os aspectos éticos dessa “ação jornalística” e a falta de críticas – ou
autocrítica – aos jornais e jornalistas é tema que merece reflexão.
Luiz Antonio
Dias é professor da PUC-SP e autor de “Informação e Formação: apontamentos
sobre a atuação da grande imprensa paulistana no golpe de 1964. O Estado de
S. Paulo e a Folha de S. Paulo”.
In: ODÁLIA, Nilo e CALDEIRA, João Ricardo de Castro (orgs.). História
do Estado de São Paulo: a formação da unidade paulista. São Paulo:
Imprensa Oficial/Editora Unesp/Arquivo do Estado, 2010.
Saiba Mais -
Bibliografia
GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.
TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o golpe de 64. São Paulo: Brasiliense, 1982.
GASPARI, Elio. A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Cia. das Letras, 2002.
TOLEDO, Caio Navarro de. O governo Goulart e o golpe de 64. São Paulo: Brasiliense, 1982.
Saiba Mais -
Filmes
O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias
O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias
Em
1970, Mauro (Michel Joelsas) é um garoto de doze anos, que adora futebol e jogo
de botão. Um dia, sua vida muda completamente, já que seus pais saem de férias
de forma inesperada e sem motivo aparente para ele. Na verdade, os pais de
Mauro foram obrigados a fugir por serem militantes da esquerda, os quais eram
perseguidos pela ditadura militar, e por essa razão decidiram deixá-lo com o
avô paterno. Porém, o avô falece no mesmo dia que Mauro chega a São Paulo, o
que faz com que Mauro tenha que ficar com Shlomo (Germano Haiut), um velho
judeu solitário que é seu vizinho. Enquanto aguarda um telefonema dos pais,
Mauro precisa lidar com sua nova realidade, que tem momentos de tristeza pela
situação em que vive e também de alegria, ao acompanhar o desempenho da seleção
brasileira na Copa do Mundo de 1970 e fazer novas amizades no seu novo lar.
Direção: Cao Hamburger
Ano: 2006
Duração: 103 minutos
Lamarca
Filme de 1994, baseado no livro de José
Emiliano e Miranda Oldack, “Lamarca, o
capitão da guerrilha”, uma biografia do militar e guerrilheiro Carlos Lamarca.
A
história começa em dezembro de 1970, quando o ex-capitão do exército brasileiro
e grande atirador Carlos Lamarca (Paulo Betti) e seu grupo político rebelde
negociam com a Ditadura Militar a soltura de presos políticos em troca da vida
do embaixador da Suíça (Giovanni Butcher), mantido por eles em cativeiro.
Trinta presos são soltos e a "repressão" aumenta a perseguição aos
guerrilheiros, comandada por um general do Exército e o delegado civil Flores
(referência ao delegado da vida real Fleury), que se apresenta como o matador
de Marighella e outros "subversivos" e não hesita em torturar seus
prisioneiros para obter informações. Os dirigentes do grupo de Lamarca querem
que ele saia do Brasil, mas ele não aceita. Lamarca vai então para a Bahia,
acompanhado da amante e também militante Clara (Iara Iavelberg), para se
encontrar com os aliados da guerrilha Zequinha e seus irmãos. Eles o escondem
em um sítio no interior do estado. Enquanto espera para se encontrar com os
demais guerrilheiros para organizarem um levante rural, Lamarca lembra de
momentos do seu passado, da experiência marcante de quando serviu como soldado
da ONU no Canal de Suez que o fez se revoltar contra os
"capitalistas", da sua mulher e filhos que enviara para Cuba e do
campo de treinamento de guerrilheiros que criara no Vale do Paraíba em São
Paulo.
Ano: 1994
Áudio: Português
Duração: 129 minutos
Vlado-30 anos depois
No
dia 25 de Outubro de 1975, o jornalista Vladmir Herzog a apresentou-se ao
DOI-CODI (órgão da repressão política do regime militar) para prestar um
depoimento. No fim da tarde do mesmo dia, a família e amigos de Vlado recebem a
terrível notícia: Vlado estava morto e, segundo fonte oficial, teria cometido
suicídio na prisão. O filme revela, a partir de depoimentos de amigos,
familiares, a amplitude das perseguições daqueles momentos, a trajetória do
jornalista, desde sua infância, na Iugoslávia, com sua família de origem
judaica, fugindo da perseguição nazista, suas ideias políticas, sua militância,
seu senso de ética, até sua posse como Diretor de Jornalismo na TV Cultura de
São. Embora existam algumas imagens de arquivo
ilustrando a época e os acontecimentos, Vlado - 30 Anos Depois encontra a sua
força no depoimento de diversas personalidades como Paulo Markun, Alberto
Dines, Mino Carta, Fernando Morais e Sérgio Gomes, que foram amigas do
jornalista, além da viúva Clarice Herzog. São sempre depoimentos emocionados de
pessoas que sentiram na pele os horrores de lutar para livrar o País da
ditadura. Todos lembram os horrores da repressão vigente depois do AI-5. Markun
conta, entre outras coisas, o quanto era difícil não fraquejar ao saber que sua
mulher estava sendo torturada na sala ao lado. Muitos concordam que ver amigos
torturados é tão doloroso quanto ter o seu corpo agredido. São testemunhos de
uma época obscura de nossa história, que merece ser lembrada e mostrada àqueles
que não a viveram.
Áudio: Português
Duração: 85 minutos
MPB Nos
Tempos da Repressão
O
programa Ensaio (TV Cultura) preparou em 2004 uma edição especial denominada “A
MPB dos Tempos da Repressão”, que reunia grandes personalidades da Música
Popular Brasileira, que estiveram fortemente ligadas à luta contra a ditadura
militar instaurada no Brasil. Chico Buarque, Caetano Veloso, Théo Barros,
Carlos Lyra, Maria Bethânia, João do Vale e Zé Ketti compõem o elenco convidado
para essa edição especial, feita em 4 blocos. Durante a ditadura esses artistas
passavam, por meio de suas composições, mensagens de liberdade política que não
agradavam os militares. Por esse motivo, muitas canções foram barradas pela
censura. O programa é marcado pela interpretação de músicas que possuem alto
teor crítico e político.
Direção: Raimundo Faro
Ano: 2004
Duração: 52 minutos
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