Aprovada pelo Senado no início deste mês (7
de agosto) e sancionada pela presidente Dilma Rousseff na tarde de quarta (19),
nova lei de cotas (PLC180/2008) passa a valer a partir de 2013. A medida que obriga todas as
universidades e institutos tecnológicos federais a destinarem 50% de suas vagas
a estudantes de escolas públicas e, dentro disso, 25% a candidatos pretos,
pardos e índios; evidencia a debilidade do ensino básico no Brasil, mas
representa um grande passo para a luta contra o preconceito racial no país.
O texto começou a tramitar no Congresso no
final dos anos 1990 e surgiu com intuito de reformular o sistema de ingresso
universal, o vestibular. Mas o projeto foi sendo modificado com o tempo: na
alvorada dos anos 2000, quando o Estado começou a implementar políticas
públicas a favor de ações afirmativas, as cotas sociais e raciais passaram a
ser a principal bandeira. E não é à toa: o Censo Escolar 2010 realizado pelo IBGE aponta, por exemplo, que o Brasil tem
51,5 milhões de estudantes matriculados na educação básica, sendo 43,9 milhões,
estudantes das redes públicas (85,4%). Do número total de alunos que frequentam
o Ensino Médio, o Censo mostra que 50,9% deles são pretos ou pardos. No ensino
superior público – que possui as mais conceituadas universidades do país -
87,4% dos estudantes são oriundos de escolas particulares. Pretos, pardos e
índios variam conforme o estado.
A historiadora Verena Alberti, coordenadora
de documentação do CPDOC (FGV) e professora de História na Escola Alemã
Corcovado (que fica no Rio de Janeiro), diz que é a favor das cotas raciais e
sociais e explica que a aprovação da lei no Senado representa, sobretudo, uma
reparação de uma injustiça histórica. “Agora que o Estado do Brasil é a favor
da lei de cotas, está apresentando a responsabilidade de consertar o que estava
errado. E muitas vezes a gente pensa que o que estava errado estava assim por
herança da escravidão, como se fosse por inércia. Mas é importante ver que o
Estado, depois de 1889, instituiu políticas diferenciando a população;
estimulando a imigração, o embranquecimento. Nós nunca tivemos leis de
segregação racial, mas tínhamos leis que proibiam manifestações afro-brasileiras,
até a década de 1920, por exemplo”.
Alberti, que coordenou um projeto sobre a
história do movimento negro no Brasil com base em relatos orais, acredita que a
adoção do sistema de cotas não vai enfraquecer o ensino superior brasileiro ou
invalidar políticas de melhoria na educação básica pública e acrescenta: “O
curioso é que somos orgulhosos da mistura cultural no Brasil, mas quando existe
a mistura física, essa miscigenação não é tão valorizada. Continua havendo o
preconceito racial. Ainda que raça seja um conceito biologicamente inexistente.
Acho que há necessidade de pessoas se acostumarem que negros possam fazer parte
das camadas médias da sociedade, porque enquanto isso não acontecer, pessoas
vão continuar morrendo devido a crimes motivados por racismo”.
O relator
do projeto aprovado na Casa, senador Paulo Paim (PT/RS) afirma que o sistema de
cotas nacional vai fortalecer o ensino superior em seus dez anos de vigência.
“Hoje, ficou comprovado pelas pesquisas que os cotistas têm, na maioria dos
casos, notas iguais ou maiores do que os não cotistas nas universidades que já
adotam o sistema de cotas [seja ele qual for]. Não tem nenhuma injustiça
nisso”. A opinião de Paim não é a mesma do senador Aloysio Nunes Ferreira
(PSDB-SP), o único que votou contra a aprovação do PLC na seção deste mês.
Segundo ele, o projeto “impõe uma camisa de forças para todas as universidades
brasileiras". Além de afetar a excelência do ensino e tirar a autonomia
das reitorias acerca do modelo de ingresso.
A voz
das pesquisas
Apesar da opinião radicalmente contrária
apresentada pelo senador Nunes Ferreira, a sociedade parece ser a favor do
sistema de cotas, em sua maioria: em pesquisa realizada
pelo Datafolha, em 2008, 51% dos entrevistados se disseram favoráveis às cotas
raciais; quando a pergunta disse respeito às cotas sociais, 86% das pessoas
apoiaram a medida. O apoio popular ganha mais força quando se analisa o
desempenho de cotistas em universidades que já adotam alguns sistemas: alunos
que entram na universidade por meio de cotas têm notas iguais ou até maiores do
que os que utilizam o sistema universal. E os índices de evasão são
praticamente os mesmos que os dos alunos não cotistas, se a universidade
apresenta algum programa de apoio financeiro aos mais pobres.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), referentes ao biênio 2005-2006, cotistas obtiveram
maior média de rendimento em 31 dos 55 cursos da Unicamp e coeficiente de
rendimento (CR) igual ou superior aos de não-cotistas em 11 dos 16 cursos
da UFBA. Os números se repetem em outros casos, conforme alerta a pesquisa
elaborada pelo professor Jacques Velloso, da Faculdade de Educação da UnB
[disponível aqui].
“O povo brasileiro não é contrário às
políticas de ações afirmativas, nem na sua versão mais polêmica, o programa de cotas.
Quem as rejeita são as classes médias e as elites, inclusive intelectuais e
alguns veículos de comunicação”, afirma o historiador Petrônio Domingues,
professor visitante da Rutgers University (EUA). “São necessárias ações
concretas para se enfrentar o problema da exclusão do negro no Brasil, mais do
que ‘boas intenções’, retórica política e debates acadêmicos”, acrescenta.
A antropóloga Yvonne Maggie, professora
titular da UFRJ, é contrária à nova lei, porque acha que o governo, dessa
forma, quer resolver o problema “a custo zero”. Em artigo publicado em seu blog 'A vida como ela parece ser', Maggie explica que apenas a entrada obrigatória de
alunos pobres no ensino público superior não garante seu sucesso, já que o
sistema vai continuar não oferecendo o apoio necessário. “Temo por esses jovens
mais despreparados. Terão um longo caminho pela frente e não será fácil
percorrê-lo. Já são sobreviventes do ensino médio. Já passaram pelas agruras
para obter o diploma do ensino básico, cumprindo uma grade de 12 disciplinas em
média por ano. Na universidade enfrentarão obstáculos mais pesados. Não há no
ensino superior nenhuma preocupação em formar os menos preparados e ajudá-los a
adquirir a base necessária para cumprir o currículo enciclopédico que é a
regra. Ninguém presta muito atenção, mas sabemos que os mais fracos vão ficando
pelo caminho”.
Diferentes
sistemas
Em 2001, o
governo do Rio de Janeiro aprovou a lei
estadual que instaurava o primeiro sistema de cotas em ensino superior do
Brasil: Uerj e Uenf adotaram a medida já no vestibular de 2004. Foi neste ano,
aliás, que a UnB anunciou seu próprio sistema de ações afirmativas, seguida da
UFBA. Há poucos meses, em votação marcante, o STF declarou o sistema de cotas
raciais como constitucional, o que abriu portas para que o PLC saísse de vez da
gaveta e fosse levado adiante.
Evandro Piza, professor da Faculdade de
Direito da UnB e um dos responsáveis pela criação do sistema de cotas na UFPR,
anuncia que é a favor da nova lei porque ela vai obrigar as universidades que
não adotavam qualquer sistema de inclusão social ou racial a passar a fazê-lo,
mas se diz crítico com relação a alguns pontos. “A lei em si tem vantagem –
impõe políticas de ação afirmativa direto às universidade que foram inertes.
Isso é necessário. Porque a universidade é pública. Agora, por outro lado, tem
uma coisa que se esquece. O debate qualificado. Cada estado tem uma necessidade
diferente, por isso, o debate precisa ser diferente”.
Piza diz que na Universidade de Brasília,
quando o sistema foi implantado, percebeu-se que muitos alunos que ingressavam
no ensino superior da região vinham de escolas públicas. Mas se via pouca
mistura racial nos corredores. Por conta disso, 20% das vagas dessa
universidade são destinadas a pretos, pardos e índios. Na UFPR, o modelo
adotado destina 20% das vagas à escola pública e 10% a cotas raciais. “Sou
contra as cotas destinadas à escola pública. E isso não é um argumento
elitista. Ali se faz um filtro que não funciona sempre. Não pega as pessoas que
tiveram chances diminuídas no ensino público, porque só cobra três anos
cursados na rede. Na minha opinião, o número de anos tinha que aumentar. Para
seis, por exemplo”. Além disso, ele critica o sistema de declaração de renda
explicitado na lei, porque é passível de fraude.
Bem ou mal, a lei sancionada pela
presidente Dilma Rousseff manteve o veto ao artigo que dizia respeito ao
ingresso de cotistas no ensino superior sem vestibular, por meio da análise do
CR obtido ao longo do ensino médio. Ou seja, para ingressar nas universidades
públicas brasileiras, que ainda representam o que há de melhor no ensino
superior no país, só fazendo o vestibular e tirando boas notas. Independente da
cor da pele ou classe social.
Saiba
Mais: Link
Professor Tonhão, qual a sua opinião sobre as cotas?
ResponderExcluirCompartilho das mesmas opiniões dos artigos postados.
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