“E agora que vocês viram no que a coisa deu, jamais esqueçam como foi que tudo começou” (Bertolt Brecht)

sábado, 15 de setembro de 2012

O Jânio que ficou na retina

Foto premiada eternizou imagem do presidente com os pés trocados. Seu autor, Erno Schneider, revolucionou o fotojornalismo brasileiro. 
Ana Maria Mauad
     Os presidentes Jânio Quadros, do Brasil, e Arturo Frondizi, da Argentina, caminham lado a lado pela cidade de Uruguaiana (RS), em plena performance política, acompanhada por jornalistas. Surpreendido por um ruído, Jânio se vira e é flagrado pela câmera atenta de Erno Schneider em uma pose inusitada: cada perna parece querer ir para um lado, os pés também indicam sentidos opostos, num desequilíbrio que sugere a iminência de uma queda, ou de um nó.
     A imagem obtida foi tão marcante que ficou para sempre associada ao personagem. E não só pela ambiguidade que sempre marcou a vida pública e a própria figura de Jânio. Aquela fotografia jornalística sintetizava o conturbado período político por que passavam o Brasil e o mundo. E iria além, cumprindo um papel quase premonitório.
     1961 foi um ano e tanto. A Alemanha Oriental ergue o Muro de Berlim, símbolo da guerra fria. Os Estados Unidos rompem com a Cuba revolucionária de Fidel Castro e invadem a Baía dos Porcos. O soviético Iuri Gagarin é o primeiro homem a fazer uma viagem espacial. É criada em Londres a Anistia Internacional, para defender presos por motivos políticos, religiosos, étnicos, ideológicos ou raciais. Os Estados Unidos tentam conter a influência cubana na América Latina, representada por Che Guevara. Jânio Quadros condecora o mesmo Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro, o que abre uma crise política: em protesto, vários militares devolvem suas condecorações.
     No flagrante de Erno Schneider, o mundo congela. Enrolado em suas próprias pernas, Jânio é o retrato daquele momento de incerteza e confusão. Os episódios seguintes confirmam a mensagem de “troca de rumo” anunciada pela imagem: o presidente renuncia em agosto de 1961, decisão que lança o país em crise e resulta no golpe militar de 1964 e em duas décadas de ditadura.
     Tão forte era a fotografia, e tão fiel ao momento histórico, que se perpetuou uma versão errônea sobre o contexto em que foi tirada. O flagrante foi feito no mês de abril de 1961, quando Jânio recepcionava o presidente argentino. Portanto, quatro meses antes da renúncia. Mas o episódio da condecoração de Che, em agosto, seria tão emblemático que até hoje publicações especializadas afirmam que o balé desequilibrado de Jânio deu-se naquele momento, poucos dias antes de sua surpreendente decisão.
     Publicada no Jornal do Brasil sob o título “Qual é o rumo?”, a foto conquistou o Prêmio Esso de Jornalismo em 1962. Este fato também revela bastante sobre o contexto político da época e sobre as transformações da imprensa nacional. A petrolífera Esso – ou, como era chamada desde sua chegada ao Brasil, em 1912, Standard Oil Company of Brazil – foi uma das grandes reformuladoras da comunicação no país. Em 1935, com a entrada no Brasil da empresa publicitária McCann-Erickson, desenvolve-se uma parceria que não se limita à divulgação dos produtos Esso: publicidade e notícia passam a andar juntas. Anos depois começa a Segunda Guerra Mundial, e a “política de boa vizinhança” promovida pelos Estados Unidos na América Latina amplia o consórcio entre a McCann e a Standard Oil. Entre em cena no país a United Press, uma das principais agências de notícias americanas, encarregada de distribuir informações sobre a participação aliada na guerra. Os principais veículos resultantes dessa tríplice parceria foram a Revista Seleções e o famoso noticiário “O Repórter Esso”, cuja estreia em 1941 coincidiu com a entrada dos Estados Unidos na guerra. O programa radiofônico tornou-se um sucesso de audiência e virou um modelo para a veiculação de notícias. Seu formato, sintético e objetivo, influenciou não só o radio jornalismo, mas também a imprensa escrita.
     [...]
     O legado da geração do fotojornalismo heroico – cujo emblema é Robert Capa (1913-1954), que morreu num acidente de mina durante a cobertura da guerra no Camboja – foi a politização do olhar. Erno Schneider compartilhava desse valor. No momento em que o Brasil respirava ares democráticos após a ditadura do Estado Novo e a cultura urbana e industrial se disseminava, ele liderou um grupo de fotojornalistas que redefiniu os rumos da profissão. Do Jornal do Brasil, onde participou de uma importante reforma gráfica – em que a fotografia adquiriu destaque até então inédito na imprensa nacional –, foi para o Correio da Manhã. Já respeitado pela premiada foto de Jânio, assumiu o cargo de editor de fotografia, promovendo uma verdadeira revolução visual no jornal. Ampliou a importância da fotografia e dos fotógrafos na construção da notícia, e quando veio a ditadura, participou da forte oposição do Correio ao regime militar. Perseguido pelo governo, o jornal fechou as portas em 1969, o que levou Erno a transferir-se para O Globo, onde permaneceu até 1986 como editor de fotografia.
     O segredo do negócio? É simples: “Acho que isso aí é bater a foto, bater a foto, não tem escapatória... A gente está pra registrar a História, não está pra mudar, né? A gente registra... Olhar tudo. Fotógrafo tem que olhar tudo”.
     Foi assim que Erno Schneider conseguiu criar uma foto que, ainda hoje, mesmo para quem não vivenciou o momento de sua produção, circulação e consumo, é referência para se pensar a História brasileira recente.
Ana Maria Mauad é professora de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autora de Poses e Flagrantes: estudos sobre história e fotografias (Eduff, no prelo).

Saiba Mais - Bibliografia:
BELOCH, Israel & Fagundes, Laura Reis (coords). Uma história escrita por vencedores. 50 anos do Prêmio Esso de Jornalismo. Rio de Janeiro: Memória Brasil, 2006.
KOETZLE, Hans-Michael.
Photo icons: the story behind the pictures (1827-1991). Köln/London/Los Angeles/Madrid/ Paris/Tokyo, 2005.
MIRANDA, Guilherme J. D. (org.) Prêmio Esso: 40 anos do melhor em Jornalismo. Rio de Janeiro: Memória Brasil/Relume Dumará, 1995.
Serrano, Ana Paula da Rocha. “Uma imagem para mil palavras: a influência do Prêmio Esso na constituição do fotojornalismo brasileiro”. Niterói: Departamento de História da UFF, monografia de graduação, 2006.

Saiba Mais – Filmes:
 Treze Dias Que Abalaram o Mundo
O filme relata a crise dos mísseis de Cuba. Em outubro de 1962, fotografias aéreas tiradas pelos aviões americanos que espionavam regularmente Cuba. Nessas fotos são detectados mísseis de origem soviética sendo instalados a poucas milhas da Flórida. Armas dotadas de ogivas nucleares, de médio e longo alcance que, instaladas nas terras de Fidel poderiam detonar as principais cidades do Tio Sam em poucos minutos. E o pior, sem tempo para reações de defesa ou ataque por parte das autoridades norte-americanas.
A informação restrita aos círculos mais altos da cúpula governamental norte-americana é confirmada pelo movimento de embarcações e construção de uma base em território cubano verificadas através de novas fotos. O que fazer?
"Treze dias" mostra os bastidores políticos norte-americanos quando se discutia como reagir a atitude dos soviéticos e dos cubanos. Personagens de vulto desse momento da história americana como John e Bobby Kennedy, Kenny O´Donnell (Kevin Costner), Robert MacNamara, Adlai Stevenson e a alta cúpula militar são os protagonistas de toda a trama. Manchetes de jornal de época e imagens das discussões na ONU permeadas por aparições em preto e branco do jornalista Walter Cronkyte falando dos acontecimentos aumentam ainda mais o nervosismo em relação ao desfecho dos desencontros entre russos e americanos.
A possibilidade de um conflito nuclear e, consequentemente, a destruição do planeta servem como fio condutor. Eletrizante do começo ao fim.
Direção: Roger Donaldson
Ano: 2000
Áudio: Português
Duração: 145 minutos
Tamanho: 700 MB

 Che Parte I - Parte II
O filme “Che” tem cerca de quatro horas de duração e é dividido em duas partes. Filmado em 2008, e dirigido por Steven Soderbergh, é uma co-produção de EUA, França e Espanha.
O roteiro é assinado por Peter Buchman, que baseou a história no livro de memórias de Ernesto Che Guevara. O personagem de Che Guevara é protagonizado pelo ator Benício Del Toro, vencedor do prêmio de melhor ator do Festival de Cannes.
O elenco ainda conta com Santiago Cabrera que interpreta Camillo Cienfuegos, Demián Bichir que interpreta Fidel Castro, e Rodrigo Santoro como Raul Castro.
O filme inicia quando Fidel e Che se conhecem num jantar familiar, decidem lutar juntos pela independência social de Cuba. Em 26 de novembro de 1956, o comandante Fidel segue de barco para Cuba acompanhado pelos rebeldes, entre eles Che Guevara, com o objetivo de lutar contra a ditadura de Fulgêncio Batista.
Che aprende a lutar no método de guerrilha, de médico é promovido a comandante e herói revolucionário.
A segunda parte do filme aborda os últimos momentos de Che Guevara na Bolívia. O filme, desde a primeira parte, é intercalado com momentos de Che Guevara em Nova York, onde concedeu entrevistas, aparições públicas e participou da convenção internacional da ONU.
As sequências em Nova York foram filmadas em preto e branco, expressando um caráter documental ao filme. O filme Che, além de cenas de ação, também mostra um comandante intelectual inspirado em ideais socialistas e que incentiva os seus comandados a respeitar os trabalhadores cubanos e a estudar.
Direção: Steven Soderbergh
Ano: 2008
Áudio: Português
Duração: 268 minutos
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